segunda-feira, 10 de setembro de 2012

No caminho escuro, meninos foram viciados

Eles poderiam ter sido crianças comuns. Mas deixaram os brinquedos para experimentar drogas e sacar armas de verdade. Tornaram-se “adultos” antes do tempo, acabaram viciados e agora estão pagando por isso.  


Dilmércio Daleffe
Eles ainda são adolescentes, quase crianças. Tem as mãos frágeis, lisas, sem calos. Mas deixaram a infância de lado e acabaram dependentes de drogas. No caminho tortuoso, alguns se transformaram em traficantes, outros em assaltantes. Na escolha errada, mataram. Meninos do crime, não tiveram escolha. Era matar ou morrer. Tudo pela droga. Tudo pelo vício. Foram influenciados por más companhias, deixaram a escola e terminaram viciados, doentes por um câncer social ainda sem cura. Arrependidos, agora estão na Comunidade Terapêutica Redenção (CTR) em busca de salvação. Querem se libertar, realizar os sonhos de meninos. “Quero sair e virar engenheiro civil. Ainda da tempo pra estudar”, revelou Mateus, um adolescente de 17 anos, mas com curriculum criminal de gente grande.
Mateus – os nomes aqui serão todos fictícios – chegou à comunidade há quatro meses. Ele deseja livrar-se do crack. Tinha oito anos quando começou a vender drogas. Aos 13 já era viciado. Atravessava a Ponte da Amizade com quilos de crack amarrados ao corpo. Aprendeu com a vida que a lei do crime é cruel demais. Acabou pagando por isso. Tirou a vida de uma pessoa. “Melhor a mãe dele chorar que a minha”, disse. Hoje está arrependido. Estava destruindo a ele e a própria família. Em 2011 passou três meses detido. Mas agora, selou seu destino: quer ser uma pessoa de bem. “Estou deixando o caminho do mal”, afirmou. Mateus se mostra um jovem maduro. Sabe o que diz. Certamente não é vilão, mas sim, mais uma vítima do vício.   
Aos 14 anos, Marcos só não é mais uma criança porque já fez coisas demais em sua vida. Aos sete anos iniciou no cigarro. Aos 10 já havia entrado em coma alcoólico. Aos 13 usava cocaína. Passou então ao tráfico. Comprou uma arma e, na lei dos traficantes, matou outro rapaz. O crime da vítima era apenas uma pequena dívida. Foi julgado, sentenciado e morto sem piedade. “Se pudesse voltar no tempo, não faria de novo”, diz. Mas o tempo não volta. Hoje, reflete seus atos como um erro do passado. Está há sete meses internado. Acredita estar se livrando do vício. E isso basta. Deseja sair e um dia ter uma família, mulher, filhos e tudo mais que a sociedade exige. “Acredito em Deus. Ele vai me ajudar”, disse. Mesmo com mãos de criança, os dedos de menino já puxaram um gatilho.     
Lucas tinha uma vida normal. Ainda menino trabalhava de mecânico para ajudar em casa. Ia a escola, brincava com os amigos e respeitava a mãe. Mas isso foi até os 13. Depois disso conheceu a maconha. Foi influenciado por falsos amigos e acabou doente. Passou a usar crack e começou a roubar a família. Perdeu a personalidade de bom menino ao ameaçar a própria mãe. Viciado, foi internado duas vezes. Não teve êxito. Hoje, aos 16 anos, está mais uma vez disposto a abandonar a droga. “Quero voltar a ser eu mesmo, sem drogas”, disse.
João não sabe como ainda está vivo. Nasceu dentro de uma favela cuja violência imperava. Aos seis anos de idade já era “aviãozinho” do tráfico. Uma espécie de office boy dos traficantes. Cresceu aprendendo como ser bandido. Acabou viciado aos 13, depois de usar LSD, álcool e maconha. Começou a mexer com prostituição e se profissionalizou no tráfico. Adotou o crack e não parou mais. Por duas vezes tentou matar. Foi preso quatro vezes. Hoje, aos 19 anos, está sozinho no mundo. A mãe o abandonou. Não agüentou a rotina do filho. No fundo do poço, decidiu ele mesmo pedir ajuda. Foi acolhido no CTR e espera livrar-se do mal. Deseja sair com saúde e, um dia, ser dono do próprio nariz. Quer ser empresário.
Bento veio de uma família completamente desestruturada. A mãe alcoólatra acaba de deixar o internato de outra entidade, voltada a dependentes químicos. Dois irmãos também acabaram viciados. Um se recuperou, outro está preso. Vendo a destruição da casa, Bento decidiu dar um grito de liberdade, e se entregou à cura. Ele tem 18 anos, mas desde os sete já fumava. Usou crack e fez coisas erradas. Roubou, traficou e já esfaqueou. Trata-se de um rapaz franzino, de voz baixa, cuja aparência lembra um bom menino. E possivelmente o é. Está lutando para ter as oportunidades que, antes, lhes foram negadas. Bento acredita em Deus, em anjos e demônios. Por isso quer seguir pela estrada correta. Se antes não conseguia ver seu futuro, hoje pensa em reverter a ajuda recebida como monitor do próprio CTR. Assim como ele, Mateus, Marcos, Lucas e João são vítimas das mãos de traficantes. Julgá-los agora é tarde demais.    
Tratamento para maiores de 14
De acordo com Silvia Andreia da Rocha, psicóloga e coordenadora do CTR, a entidade recebe pedidos para internação de crianças com até oito anos. Mas o órgão recebe jovens somente a partir dos 14. Hoje, são nove adolescentes em tratamento. Segundo ela, depois de nove meses, os dependentes têm alta. Apenas 50% deles conseguem controlar a “doença”. Outra parte volta às drogas. Embora a dependência não seja nenhuma novidade, a cada dia os casos chocam os profissionais do CTR. “Todo dia me surpreendo com as histórias daqui”, disse.     
O que fazer para evitar as drogas
Especialistas garantem que o aumento de uso de drogas entre adolescentes está condicionado a diversos fatores. Possivelmente o mais notável está no aparecimento de tóxicos com custo baixo. Ou seja, acessível a qualquer condição financeira. Para piorar a situação, com carga excessiva de trabalho, os pais passaram a ter pouco tempo com os filhos. A conseqüência é desastrosa. “A falta de esclarecimento dos pais, que tem dificuldade de orientar seus filhos e acham que a escola esta fazendo isto, só piora o quadro”, afirma a psicóloga Alice Maria de Moraes.

De acordo com ela, é muito difícil e complicado tratar a drogadição. O melhor a fazer é sem dúvida a prevenção. Cabe aos pais monitorarem seus filhos, saber aonde vão e quem são seus amigos. Segundo ela, é dever da família acompanhar de perto o adolescente. “Nesta fase ele é muito influenciado pelos amigos e colegas. Alguns sinais tornam-se evidentes quando o jovem inicia o uso de drogas”, disse.

Entre algumas dicas, a psicóloga  alerta para os intensos pedidos de dinheiro, mudança de comportamento, alteração de sono, mentiras, desrespeito a horários, limites e regras da casa. Além disso, as brigas com os pais e irmãos e a queda no rendimento escolar. Alice explica que os pais devem ficar atentos para evitar que a situação fuja ao controle, levando a atitudes extremas como expulsar o filho de casa. “Não devemos excluí-los da influência benéfica da família para deixá-lo nas mãos de traficantes, piorando ainda mais o caso”, diz. Outra recomendação é a de que os pais não devem achar que podem resolver sozinhos a situação. Segundo ela, deve existir a ajuda profissional, grupos de auto-ajuda ou até mesmo uma internação. Em Campo Mourão, a psicóloga orienta para que os pais procurem auxílio no conselho Tutelar. “Lá, a família terá a orientação necessária”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário