João e Helena são companheiros. Trabalharam durante toda a vida e ainda continuam “duros”. São como um retrato fiel do brasileiro. Perderam as esperanças em promessas. Mas acreditam numa intervenção divina.
Dilmércio Daleffe
João tem 69 anos. Nasceu na roça lá pelos lados de Pitanga. Até os 12 plantava e colhia com os pais. Saiu cedo de casa e virou latoeiro de carros. Trabalhou a vida toda e acabou aposentado recebendo R$620 ao mês. Helena está com 59. Também cresceu entre as lavouras de milho e feijão. Depois de criar 12 filhos, ainda não se aposentou e é obrigada até hoje a manter pequenos bicos para ajudar na casa. João e Helena moram juntos, são companheiros há cinco anos. Quis o destino que se conhecessem em 2007, em Iretama. Diante das dificuldades, o casal é um retrato fiel da realidade brasileira. Vivem sem dinheiro, estão constantemente “duros” e, ainda, pagam aluguel. Pra piorar, parte da renda fica na farmácia. Ontem, o almoço se resumiu a arroz, feijão e quirera. João e Helena são legítimos brasileiros e moram bem pertinho, em Campo Mourão.
Uma velha e pequena casa de madeira na rua Egydio Cardoso Lima, número 52, no Jardim Gutierrez, abriga o casal. Ela é alugada e rende R$200 por mês ao dono. Da aposentadoria de João, outros R$200 também já estão comprometidos com um empréstimo. Ou seja, sobram apenas R$220 ao mês. Mas ainda tem a água, a luz, o mercado e a farmácia. Aí entram os bicos de Helena. Mesmo assim, antes de chegar o dia 15, a grana já era. O jeito então é apelar a vizinhos e a comunidade. O casal ganha um feijão aqui, um arroz ali, um café lá, e assim sobrevive. Chega ser uma humilhação a quem não consegue mais trabalhar. Matam um leão a cada dia. Ainda assim candidatos já passaram por lá, prometendo coisas, implorando votos. “Pode deixar que venham. Não acredito em política. Minha vida não vai melhorar em nada”, diz João.
Helena Sutil Donato mostra no rosto a vida sofrida deixada na roça. Foi um tempo difícil quando sacrificou a infância pelo trabalho. Já aos oito anos plantava de tudo. As mãos da menina ficaram calejadas aos dez. Nunca estudou. Ainda é analfabeta. Mesmo assim, criou 12 filhos. Acabou separada do marido há 20 anos. Lutou sozinha pela sobrevivência dos menores. Aprendeu a levantar cercas em propriedades rurais de Nova Tebas. Trabalho de homem. Vez em quando levava a filha de quatro meses dentro de um cesto até o campo. Numa manhã, enquanto a menina dormia, distanciou-se um pouco para apanhar água. Quando voltou, uma cascavel já estava sobre a criança. “Peguei a menina pelo cabelo e a arranquei duma vez do balaio”, disse. Dias depois, a cena repetiu-se, mas agora, com uma coral.
João Ketes atuou grande parte da vida como latoeiro. Jamais estudou. Consertava veículos até do Exército. Casou-se com uma moça de Roncador e lá viveram muito tempo. Mas há dez anos ela morreu vítima de câncer. Não tiveram filhos. Diz ele que o sangue dos dois era igual. “Ficamos com medo de ter um filho com problemas”, revelou. Um dia, em Iretama, João e Helena se conheceram. A vontade de se ver aumentou. Aí decidiram juntar os trapos. E eram poucos. Com problemas de saúde, João achou melhor morar em Campo Mourão. Estão na cidade desde 2007. Chegaram com algumas panelas e nada mais. Aos poucos foram ganhando móveis e mobília. Hoje vivem bem, mas ainda no aluguel, sem televisão e sem rádio.
O casal passa o dia na varanda da casa. Pensam na vida sobre um sofá velho, cujos pés acabaram substituídos por tijolos. O local fica em frente à mata do Rio do Campo. Nem parece que está na zona urbana. Afinal, vivem olhando o rio, capivaras, pássaros e o mato. Uma paz e tranqüilidade absurdas.
Sem dinheiro para o gás, Helena construiu um fogão a lenha. Na verdade o improvisou. Ainda sentada, de longe avista o “tanquinho” novo para lavar roupas. Presente de uma das filhas. “Tudo que tem dentro da casa foi ganhado. Não temos condições para comprar nada”, revela João. Segundo ele, “estão sempre duros”, como a maioria dos brasileiros. Não fosse a ajuda solidária da comunidade e dos filhos de Helena, o casal certamente passaria fome. Mas crentes em Deus, ainda acreditam numa intervenção divina. Afinal, é o que lhes resta. Sabem que promessas são como o vento, que vem e vai.
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