segunda-feira, 20 de junho de 2011

A feirinha de todas as tribos


Dilmércio Daleffe

Curitiba, domingo 9h da manhã, frio de 5 graus. Ficar na cama até o meio dia? Claro que não. Poucas coisas merecem tanto empenho para deixar o cobertor quentinho, ainda mais na fria capital paranaense. Uma delas é visitar a famosa Feira de Arte e Artesanato do Largo da Ordem, ou simplesmente, a Feirinha do Largo. Certamente é um programa sem erros, a menos que chova. O local é uma miscelânea de artesanatos, criações artísticas, música, colecionadores, apaixonados por carros e motos antigas. Gente de tudo quanto é jeito. Negros, amarelos, brancos, hippies, donas de casa, Hare Krishnas, brasileiros, estrangeiros e, pasmem, até curitibanos.


Montada na área histórica de Curitiba, centro, sempre aos domingos, a feira começa a ser estruturada ainda cedo, lá pelas seis. Os estandes são desmontados lá pela uma da tarde. Seus mais de mil expositores encaram a jornada como negócio e, ao mesmo tempo, diversão. Afinal, são apenas algumas horas em que encontram cerca de 15 mil visitantes, todos em busca de um passeio diferente e porque não dizer, surpreendente. Além das compras, o turista também pode conhecer atrações como a Igreja da Ordem, o Memorial de Curitiba e a Casa Romário Martins – a mais antiga da capital.


Ali, não parece o Brasil. O local se assemelha àquelas feirinhas européias, como Camden Town, em Londres. É uma mistura de tudo. Em meio aos prédios históricos de Curitiba, a multidão se espreme numa “confusão completamente organizada”. Os esbarrões são comuns. Já, a paciência, uma virtude. Mas vale a pena passar por isso. De tão grande, o visitante não sabe nem por onde começar a andança. Com o passar do tempo, os artistas parecem ter encontrado um cantinho para cada uma das artes expostas. Os carros antigos, por exemplo, estão todos numa ruazinha, separados das motos que estão mais abaixo. Os motoqueiros e suas roupas imponentes ficam num pub, em frente às máquinas.


Noutro cantinho estão concentrados os artistas plásticos e suas telas espetaculares. Abstratos, paisagens, natureza morta. Tem arte pra todos os gostos. As compras podem ser realizadas até mesmo com cartão de crédito, com direito inclusive, à arte da barganha. Ali, o negócio é feito diretamente com o próprio artista. Cyro Vidal expõe na feira há 20 anos. Todos os domingos, ao lado da esposa, o casal vai faturando com os visitantes. “Ás vezes vendemos bem. Ás vezes não vendemos nada. Cada dia é um dia diferente” disse o ex-funcionário da Copel.


Mas seja qual for a direção escolhida, o turista verá de tudo. Roupas, bijuterias, artesanatos, mandalas, sapatos, bolsas, brinquedos, antiguidades. Colecionadores de selos, moedas e dinheiro se amontoam em uma das esquinas. Já os músicos são um show, literalmente. Na parte superior da feira encontra-se uma menina, não mais que 22 anos. Ela e sua pequena sanfona encantam. Músicas francesas, clássicos internacionais. Apenas ela e o instrumento, sem voz. Ao chão o seu chapéu, aguardando o prêmio do artista. Um talento surpreendente. Nem parece Brasil. A cena lembra o metrô londrino, local para músicos de todo o mundo ganharem seus trocados.


Mais ao meio da feira outra grata surpresa. Um senhor de mais de 80 anos de idade, também “gaiteiro”, exalando tangos. Uma figura sem igual. Um talento sobrenatural. Poderia estar em casa, com os netos. Mas já faz parte da Feirinha do Largo. É membro do cotidiano das manhãs daquele centro histórico. Ao invés do chapéu, uma latinha. Ela ainda estava vazia. Enquanto isso, dois outros músicos, fãs de Raul Seixas, tocavam melodias eternizadas pelo ídolo. Um dos “Raul” estava com caixa de som e microfone. Já o outro era mais humilde, estava acompanhado apenas de um violão.


Quem anda tem fome. E para isso a feira está repleta de atrações gastronômicas. Acarajé para os mais fortes. Pierogi, empanadas argentinas e tacos mexicanos para aflorar as culturas. Caldo de cana, melado ou um simples pastel, para os menos exigentes. Fora isso, uma infinidade de pubs, cozinha árabe e até um restaurante alemão estão lá, prontos para todos. Chopp gelado e comida quente.


Na parte inferior do Largo espaço para expositores ousados. Livros e revistas, novas e usadas, mais antiguidades, quinquilharias, materiais de trocas. Até mesmo um estande de rádios antigos no meio do público. Mário Silveira vem comercializando os aparelhos há menos de dois anos. Ao lado do sócio, Augusto, os dois adquirem os equipamentos, os concertam e depois os revendem. Todos estão em perfeito estado de funcionamento. São relíquias do século passado e que enchem os olhos de quem passa. Mário – que é bancário durante a semana - disse que o seu primeiro rádio veio de Campo Mourão. “Um dia estava passeando por lá e ganhei da família Brezezinski”, lembra. O aparelho está guardado até hoje.




História

A Feira do Largo despertou o interesse da população ainda na década de 60, quando funcionava na Praça Osório. Mas já no início da década de 70, um grupo de artistas populares que tinha por objetivo valorizar a cultura e divulgar a arte se instalou na Praça Zacarias. Já em 1972, tinha 57 expositores. Em 1974, a Feirinha mudou de lugar e foi parar no Largo da Ordem, com a criação do “Mercado Popular”, que tinha como atividade principal: o escambo, ou a venda de objetos de segunda mão. Esta visão de escambo, algumas vezes foi incentivada pela própria Fundação Cultural de Curitiba, que em 1977 lançou o programa “Troca tudo na feira”, tentando resgatar uma prática antiga na cidade, que acontecia em outro ponto – no Cine Curitibano.

Centro Histórico

O Largo da Ordem é o coração do Setor Histórico, decretado em 1971. Mas seu nome oficial é Largo Coronel Enéas, em homenagem ao coronel Benedito Enéas de Paula desde 1917. Já foi Páteo de Nossa Senhora do Terço, Páteo da Capela e Páteo de São Francisco das Chagas. Em seu centro existiu chafariz, demolido quando da instalação da rede de água e esgoto. Até hoje conserva o antigo bebedouro para animais. Ainda ecoa, na memória dos curitibanos, o alegre pregão dos colonos, vendendo os bons frutos da terra transportados em carroças, da periferia para o centro.

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