O uruguaio José Daniel é
um refugiado político que optou seguir sozinho pelas estradas brasileiras. Na
contramão da sociedade, decidiu isolar-se do mundo para refletir sobre ele
próprio, o mundo, a vida. Com um cajado na mão e uma roupa branca,
segue de cidade em cidade em busca de um objetivo ainda não definido. Deseja apenas viver, mas do jeito dele.
Dilmércio Daleffe
Quando o chão desaparece e a sorte some, o jeito é respirar
e continuar a viver. E é assim que o uruguaio José Daniel, de 59 anos, vem
fazendo. Refugiado político de seu país, atravessou a fronteira já, há três
anos e percorreu quase todos os países da América do Sul. Mas, somente este ano
chegou ao Brasil. Na verdade, trata-se de um andarilho, um nômade. Um homem
extraordinariamente culto, que fala sobre medicina oculta, astros, Deus,
harmonização da natureza. Um sujeito diferente, que prefere livros a bebida,
conversa a discussão. José Daniel transformou-se num profeta. Hoje, caminha só
numa estrada sem destino. Mesmo vendo as placas e, seguindo sem direção, diz
não estar perdido, embora ainda procure a si mesmo.
José foi encontrado carregando um cajado e vestido com uma
roupa comprida, toda branca. Usava um chapéu surrado, de cor azul. Seus pés
vestiam chinelos improvisados com elásticos coloridos. Sua barba grisalha escondia
o rosto de um homem sofrido, marcado pelo tempo. À sua frente, um saquinho de
papel com algumas moedas e notas de R$2. Um cartaz escrito em espanhol o
anunciava como um profeta. Ao lado, encostada no poste, uma bicicleta antiga
que segurava sua mochila de viagem. Mas se ele, apenas por si só já chama a
atenção, ouvi-lo é uma surpresa ainda maior.
Falando baixinho, quase em sussurros, numa tentativa
frustrada de português, José conta que viaja com sua magrela estrada a fora
carregando uma carriola. Nela vão seus livros, objetos, esperanças. E é ali
onde ele também passa suas noites. Com uma coberta velha, dorme tranquilo em
seu interior. Não depende de ninguém pra descansar. Comida jamais faltou. Para
isso, ele inventa umas esculturas, distribui pequenas mensagens bíblicas e
assim vai ganhando uns trocados. Viaja sozinho, lendo, divagando, refletindo,
numa paz de dar inveja. “Ser profeta não significa ser sábio. Qualquer um pode
ser profeta. Para isso basta ter persistência”, disse.
José está sozinho no mundo há pelo menos três anos. Foi uma
decisão sua e, apenas sua. Na solidão de seus botões, acredita num mundo honesto,
de paz, harmonioso. E é por isso que continua a andar. Está atrás de sua
verdade, dele mesmo. “Meu objetivo é fortalecer minha espiritualidade. É me
encontrar. Descobrir a mim”, disse. A princípio pensa-se num homem fora de si,
maluco, enlouquecido. Mas não é bem assim. Em pouco mais de uma hora de
conversa, não demonstrou nada de louco. Pelo contrário. Ele sabe o que deseja.
Busca o litoral brasileiro, mais especificamente, Santa Catarina. Lá, quer
encontrar sua companheira e iniciar uma família.
Conta que ainda em Montevidéu – capital do Uruguai – ganhava
a vida como engenheiro de som e iluminador profissional de teatro. Mas era
contra o governo do Presidente José Mujica. Então, segundo ele, foi perseguido,
sendo forçado a deixar seu país. A partir daí, descobriu que a estrada era seu
destino. E foi desta maneira, com a solidão e a leitura, que foi buscando a si
mesmo. “O bem e o mal existem. Mas eles estão escondidos dentro de cada um de
nós. Alguns deixam o mal escapar. Outros, o bem”, disse.
Mesmo com demônios aflorados, a humanidade é feita a imagem
e semelhança de Deus, disse José. Mas, segundo ele, a paz só aparecerá depois
que cada um descobrir a sua verdade interna. “O homem necessita descobrir-se.
Caso contrário, a paz não virá”, acredita. Fora suas meditações, o profeta é
como qualquer outro homem. Afinal, não é nenhum Deus. Tem fome, sente sede e
necessita do capital para sobreviver. O
que muda são apenas suas atitudes. E os caminhos pelos quais percorre. É um
homem de paz, em busca de paz. Mas pelo que se vê, ao invés de caminhar sobre
as flores, vem encontrando vias repletas de espinhos.
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