domingo, 8 de setembro de 2013

Refugiado político, José Daniel virou profeta


O uruguaio José Daniel é um refugiado político que optou seguir sozinho pelas estradas brasileiras. Na contramão da sociedade, decidiu isolar-se do mundo para refletir sobre ele próprio, o mundo, a vida. Com um cajado na mão e uma roupa branca, segue de cidade em cidade em busca de um objetivo ainda não definido. Deseja apenas viver, mas do jeito dele.




Dilmércio Daleffe

Quando o chão desaparece e a sorte some, o jeito é respirar e continuar a viver. E é assim que o uruguaio José Daniel, de 59 anos, vem fazendo. Refugiado político de seu país, atravessou a fronteira já, há três anos e percorreu quase todos os países da América do Sul. Mas, somente este ano chegou ao Brasil. Na verdade, trata-se de um andarilho, um nômade. Um homem extraordinariamente culto, que fala sobre medicina oculta, astros, Deus, harmonização da natureza. Um sujeito diferente, que prefere livros a bebida, conversa a discussão. José Daniel transformou-se num profeta. Hoje, caminha só numa estrada sem destino. Mesmo vendo as placas e, seguindo sem direção, diz não estar perdido, embora ainda procure a si mesmo.

José foi encontrado carregando um cajado e vestido com uma roupa comprida, toda branca. Usava um chapéu surrado, de cor azul. Seus pés vestiam chinelos improvisados com elásticos coloridos. Sua barba grisalha escondia o rosto de um homem sofrido, marcado pelo tempo. À sua frente, um saquinho de papel com algumas moedas e notas de R$2. Um cartaz escrito em espanhol o anunciava como um profeta. Ao lado, encostada no poste, uma bicicleta antiga que segurava sua mochila de viagem. Mas se ele, apenas por si só já chama a atenção, ouvi-lo é uma surpresa ainda maior. 



Falando baixinho, quase em sussurros, numa tentativa frustrada de português, José conta que viaja com sua magrela estrada a fora carregando uma carriola. Nela vão seus livros, objetos, esperanças. E é ali onde ele também passa suas noites. Com uma coberta velha, dorme tranquilo em seu interior. Não depende de ninguém pra descansar. Comida jamais faltou. Para isso, ele inventa umas esculturas, distribui pequenas mensagens bíblicas e assim vai ganhando uns trocados. Viaja sozinho, lendo, divagando, refletindo, numa paz de dar inveja. “Ser profeta não significa ser sábio. Qualquer um pode ser profeta. Para isso basta ter persistência”, disse.

José está sozinho no mundo há pelo menos três anos. Foi uma decisão sua e, apenas sua. Na solidão de seus botões, acredita num mundo honesto, de paz, harmonioso. E é por isso que continua a andar. Está atrás de sua verdade, dele mesmo. “Meu objetivo é fortalecer minha espiritualidade. É me encontrar. Descobrir a mim”, disse. A princípio pensa-se num homem fora de si, maluco, enlouquecido. Mas não é bem assim. Em pouco mais de uma hora de conversa, não demonstrou nada de louco. Pelo contrário. Ele sabe o que deseja. Busca o litoral brasileiro, mais especificamente, Santa Catarina. Lá, quer encontrar sua companheira e iniciar uma família.



Conta que ainda em Montevidéu – capital do Uruguai – ganhava a vida como engenheiro de som e iluminador profissional de teatro. Mas era contra o governo do Presidente José Mujica. Então, segundo ele, foi perseguido, sendo forçado a deixar seu país. A partir daí, descobriu que a estrada era seu destino. E foi desta maneira, com a solidão e a leitura, que foi buscando a si mesmo. “O bem e o mal existem. Mas eles estão escondidos dentro de cada um de nós. Alguns deixam o mal escapar. Outros, o bem”, disse.


Mesmo com demônios aflorados, a humanidade é feita a imagem e semelhança de Deus, disse José. Mas, segundo ele, a paz só aparecerá depois que cada um descobrir a sua verdade interna. “O homem necessita descobrir-se. Caso contrário, a paz não virá”, acredita. Fora suas meditações, o profeta é como qualquer outro homem. Afinal, não é nenhum Deus. Tem fome, sente sede e necessita do capital para sobreviver.  O que muda são apenas suas atitudes. E os caminhos pelos quais percorre. É um homem de paz, em busca de paz. Mas pelo que se vê, ao invés de caminhar sobre as flores, vem encontrando vias repletas de espinhos. 

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