terça-feira, 23 de abril de 2013

Sim, o mundo ainda tem jeito





Dilmércio Daleffe

O que faz a solidariedade? Quais motivos levam o ser humano a buscar recursos aos seus semelhantes? Porque ajudar o próximo? O que leva gente querer ajudar gente? Aqui as perguntas não são importantes, e sim, as respostas. Elas se explicam através de atitudes, como as desempenhadas pela turma do Rotary Campo Mourão Verdes Campos. No último domingo, 68 pessoas deixaram seus lares, seus sofás, suas tv´s e suas famílias para promover um café colonial. Os recursos foram revertidos à Casa das Fraldas, Centro de Terapia e Redenção (CTR), além da Fundação Rotária. Há 18 anos, uma festividade do bem. Uma ação voluntária que, definitivamente, não transformará o mundo. Mas que deveria ser seguida pelas autoridades, principalmente, como exemplo à classe política, ao poder público.  

O evento aconteceu na tarde de domingo, mas os preparativos tiveram início muito antes, pelo menos três semanas. Juntos, rotarianos compraram alimentos, fizeram a comida e serviram fartamente 600 pessoas. Enquanto parte da equipe se misturava ao suco de laranja e abacaxi, outra arrumava o salão. Ainda havia membros cortando queijos, enrolando pão de queijo, tirando as tortas do forno. Um trabalho incessante, voluntário, cansativo, mas com ternura e paixão. Os olhos de cada rotariano mostravam a satisfação em trabalhar pela comunidade. Gente do bem, simplesmente fazendo o bem.



“Isso aqui não é nenhum sacrifício. Para nós, o que vale é fazer algo por nossa comunidade. Além disso, deixamos o exemplo a ser seguido pelas autoridades”, disse Olímpio Giovanelli. Rotariano, Olímpio é médico veterinário. Ele deixou seu sofá e a TV no domingo em busca de recursos a entidades da cidade. Ele sabe que o dinheiro levantado não mudará o mundo, mesmo porque o lucro não é grande coisa. Mas, de certa forma, ficou orgulhoso em colaborar mais uma vez. Sua alegria era visível. Para ele, importante mesmo é deixar exemplos. Rastros de solidariedade.   

Cássio Rogério Bortoli é o presidente da turma. À frente do Rotary Verdes Campos ele é quem empunha a bandeira. Na verdade trata-se de uma grande família, sempre movida por nobres causas. Naquele domingo, ele disse que estaria em casa, provavelmente, assistindo a TV. Mas com o coração inquieto, também travou a batalha em mostrar que o mundo ainda tem jeito. E será que tem? Para ele sim. Bioquímico de profissão, ele é daqueles que acredita em ajudar primeiro a ser ajudado. Em doar a receber. “Vemos as dificuldades do nosso país. Mas se cada um fizesse sua parte, ele seria menos difícil”, disse.

Como se vê, os heróis de verdade não se fantasiam. Não utilizam máscaras, calças apertadas e cores berrantes. Não voam, mas tem o poder de tentar transformar o seu mundo, sua comunidade. Deixam rastros e exemplos do bem. Nossos heróis não são super seres e muito menos vem de Júpiter ou de Kromasson 9. Eles são daqui mesmo. São empresários, profissionais da saúde, comerciantes. Gente simples, sem o poder da caneta. Aquela usada por presidentes, governadores ou prefeitos. Os seus poderes estão nas atitudes, na solidariedade e na certeza de que sim, o mundo ainda tem jeito.    

domingo, 21 de abril de 2013

A gratidão de Otacílio, Kaique, Mário e João



Dilmércio Daleffe
Gratidão, além de representar uma das mais belas palavras do dicionário da língua portuguesa, está diretamente ligada às vidas de Otacílio, João, Mário e Kaique. Pessoas simples, de cidades e idades diferentes, mas com um elo em comum. Juntos, participam de sessões de hemodiálise no Instituto do Rim de Campo Mourão. E é ali, no interior do prédio, onde o sentimento de ternura surgiu. Se já não bastasse a atenção do corpo clínico quanto à sua saúde, agora, os dialisados estão praticando exercícios físicos durante o tratamento. A iniciativa, aparentemente inédita no Paraná, partiu do nefrologista Dênis Rogério Aranha da Silva e, desde então, os 130 pacientes vem tendo um motivo a mais para viver. Afinal, carinho e dedicação não se encontram na lata do lixo. Não têm preço e quem as recebe não se esquece. E é apenas por esta razão que os pacientes agradecem. Além do que, nos dias de hoje, é cada vez mais rara a cena de gente que cuida de gente. Ainda mais de graça, apenas pelo voluntariado.
Dilmércio Daleffe/Tribuna do Interior

Kaique durante as sessões de hemodiálise  
Seu nome é Otacílio Pereira da Silva. Um “menino” alagoano que, aos 78 anos, aprendeu na dor a encontrar alegria. “Vou contar uma coisa pra você. Sou mais feliz aqui na clínica do que na minha casa”, afirmou. Seu sentimento de gratidão comove a mais experiente das enfermeiras. Ele explica que o carinho da turma é tão especial que não da nem vontade de ir embora. Aposentado, Otacílio é viúvo há três anos. Veio do interior de Alagoas na década de 60, ainda movido pelo “homem da vassoura” – se referindo a Jânio Quadros. Aqui no Paraná ganhou dinheiro com a colheita do algodão. Mais tarde se casou e teve nove filhos. “Sou muito feliz aqui. Nunca mais quis saber do nordeste”, disse. Mas com a idade, acabou sendo submetido à hemodiálise. Para ele isso não é ruim. Pelo contrário, é uma satisfação. Ainda mais com os exercícios que fortalecem suas pernas deixando-o ainda mais “moço”.
Kaique dos Santos Campina tem apenas 20 anos de idade e faz hemodiálise há cinco meses. Vem de Goioerê três vezes por semana e se diz contente com as atividades físicas. “Cada sessão dura cerca de quatro horas. Então, faço os exercícios até cansar e depois durmo um pouco”, disse. Para ele, a dedicação dos médicos, enfermeiras e agora dos professores de educação física é visível. “É muito bonito ver. Quando fizer o transplante, vou sentir saudades da turma. É um ambiente muito gostoso, de respeito. Vou sentir muita saudade sim”, afirmou.
Outro “jovem” é João Araújo da Silva. Aos 62 anos de vida está com as pernas cada vez mais fortes. Também não é pra menos. Ele é um dos primeiros a receber o treinamento. Com a ajuda dos estagiários, exercita mãos, braços e pernas com um baita sorriso no rosto. “Eu tinha problema com as quedas. Agora, depois de nove meses fazendo os exercícios, não caí mais. Só tenho que agradecer a esta turma”, disse. “Seo” João vem três vezes por semana de Fênix até Campo Mourão. Segundo ele, cansaço não existe. “Só sinto gratidão pelo que me fazem”, explicou.
Dilmércio Daleffe/Tribuna do Interior
Mario diz sentir-se bem com exercícios     
De Mamborê vem Mário Eleotério dos Santos. Está nas sessões há oito meses. Desde o início vem fazendo as atividades físicas. Para ele está sendo muito bom. “Sinto os resultados. Estou mais disposto. É bom me exercitar”, disse. Aos 33 anos de idade, Mário também agradece o compromisso dos profissionais.
No dicionário, gratidão significa uma emoção, que envolve um sentimento de dívida emotiva em direção de outra pessoa. É acompanhada ainda por um desejo de agradecimento, ou um favor que fizeram por você. Num contexto religioso, gratidão também pode referir-se a um sentimento de dívida em direção de uma divindade. Nesse contexto, é claro que Deus não poderia estar ausente. Se preferir, basta associar todo o trabalho aos anjos. Sim, anjos protegem, cuidam, zelam. E ainda dizem que eles não existem... 
Idéia na cabeça
Com a idéia na cabeça, Dênis buscou parcerias. Logo recebeu o abraço caloroso de dois professores, Paula e Marco Antônio Bertolacci. Além de casados, fazem parte do quadro docente do Centro Integrado de Ensino Superior (Cies), instituição que aderiu à parceria junto ao Instituto do Rim. Hoje, a metodologia empregada junto aos pacientes, conta com o voluntariado de vários estagiários do curso de Educação Física. Divididos em turnos, os acadêmicos não medem esforços para exercitar um a um dos insuficientes renais. E eles gostam. Sentem-se envoltos ao carinho, à dedicação e a preocupação dos profissionais. Por isso o sentimento da gratidão.   
Dênis explica que os exercícios são importantes para fortalecer, principalmente, as pernas. Segundo ele, os pacientes sofrem com ossos enfraquecidos, além da musculatura atrofiada. “O grande objetivo é proporcionar uma melhor qualidade de vida a cada um deles”, disse o nefrologista. Renais crônicos têm em comum dores nas pernas e perda de sono. Com os exercícios, os pacientes vem registrando melhora significativa. Outro dado preocupante é quanto às quedas. Com pernas frágeis, tombos são comuns.   

domingo, 7 de abril de 2013

Um telefonema e "Zé Bedeu" foi preso


Dilmércio Daleffe
Justiça: No entendimento dos homens, justiça significa o respeito à igualdade de todos os cidadãos. É o princípio básico de um acordo que objetiva manter a ordem social, principalmente, através da constitucionalidade das leis. De uma maneira mais simples, justiça é a correção de um mal feito a alguém. Para “Zé Bedeu”, no entanto, justiça representa sua saída da cadeia. Preso preventivamente em Barbosa Ferraz há quase 30 dias, ele sabe que descumpriu uma ordem judicial. Por isso reconhece o erro. Mas acredita não ter feito nenhum mal para estar encarcerado. Seu “pecado” foi ter realizado uma ligação telefônica para o filho, o qual mora com a ex-amásia há 40 quilômetros de sua casa.

Zé Bedeu vive de maneira simples, embora honesta








Maria da Penha: Lei número 11.340 decretada pelo Congresso Nacional em 2006, cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. A história de “Zé Bedeu” começou há cerca de oito anos, quando passou a morar com a ex-companheira. Do relacionamento nasceu um filho. Mas acontece que todo romance tem seus altos e baixos. E com ele não foi diferente. Entre brigas, xingos e discussões, a mulher o denunciou por ameaça, mesmo sem nunca ter sofrido agressões físicas. O boletim de ocorrências, elaborado mediante a Lei Maria da Penha, transformou-se em inquérito policial. Depois em processo e, finalmente, em punição. Por determinação judicial, ele foi proibido de aproximar-se da ex-amásia. Também teve que afastar-se do filho. E, pra piorar, ainda foi impedido de realizar telefonemas ao menino. Para ele, mais que uma punição, sofreu foi um castigo.
Prisão: Ato de prender ou capturar alguém. Por extensão, o conceito também abarca o local onde se mantém o indivíduo preso, sendo sinônimo de claustro ou clausura, cárcere, cadeia ou xadrez. Mas a cerca de um mês, a saudade do menino foi tanta que ele acabou pagando o preço. Ligou ao filho e dias depois – exatamente 8 de março, no Dia Internacional da Mulher – foi preso por descumprir a determinação da justiça. “Sei que não podia ligar. Mas acho que é uma ordem bastante pesada. Não entendo porque ficar longe do menino. E depois, eu só liguei. Que mal podia fazer?”, questionou.
Indignação: Sentimento de cólera ou desprezo excitado por uma afronta, uma ação vergonhosa, uma injustiça frisante. “Zé Bedeu” também explicou que jamais agrediu a ex-mulher e o que acontecia eram apenas discussões mais acaloradas. Depois da detenção, sua indignação foi tamanha que o advogado dele, Alfredo Leôncio Dias Neto, emprestou algumas palavras e o defendeu no processo explicando a comoção através de versos. “Fiquei tão comovido com a situação dele, com sua indignação, que acabei inserindo em sua defesa versos que explicavam toda a história”, disse Alfredo. Ele, inclusive, também achou pesada demais sua prisão. “Crimes com penas inferiores a quatro anos não requerem regime fechado. E no caso dele, não entendi porque ficou preso”, afirmou.


Zé Bedeu: Na verdade seu nome é José Antônio da Costa, um homem simples que, aos 45 anos de idade – completados dentro da cadeia -, deixou os buracos de fossas que sempre perfurou, para viver no inferno de uma cadeia. Sem alfabetização, jamais freqüentou um dia sequer da escola. Mesmo assim, mantém uma casinha própria, e, até então jamais havia passado perto de uma cela com outros presidiários. Na cidade pequena, é conhecido como um cara de bem, trabalhador. Mesmo assim, somente ele e sua ex-mulher, para saber ao certo o que se passava entre as quatro paredes. Católico, acredita em Deus e na guerra contínua entre o bem e o mal. Tem o apelido graças a um personagem de novela, o qual usava um chapelão parecido com o que também usa no trabalho. É um sujeito tranqüilo, de fala mansa e, acima de tudo, ao que parece, com amor de sobra pra dar ao filho.
História: Significa pesquisa, conhecimento advindo da investigação, ciência que estuda o homem. “Zé Bedeu” veio de uma família mineira. Os pais chegaram ao Paraná ainda na década de 60. Do casal nasceram seis filhos. Criado na roça, “Zé” também pegou na enxada. Ajudou desde os sete anos a colher café e algodão. Até hoje vive de maneira simples, embora honesta. Durante toda sua vida teve dois relacionamentos e quatro filhos. Assim que deixar a cadeia, quer retomar sua vida. Voltar a cavar fossas, poços e rede de esgoto. Embora o tempo passe, dificilmente “Zé” esquecerá dos dias pelos quais vem passando. Ele não aceita o que aconteceu. Afinal, numa democracia, o direito à indignação é sagrado.
Monólogo do "Zé Bedeu"
Estou preso há quinze dias porque liguei pro meu garoto
Da mulher havia me separado há ano e pouco
Ela lá no Paraíso do Sul e eu aqui nas valetas de esgoto
Também fazendo fossas e até perfurando poço
O trabalho é árduo e sujo, mas eu não sou escroto

Dela tinha de guardar cem metros determinou o Juízo
Mas o amor paterno falou mais forte e ligar era preciso
Achei não ser crime ligar pro filhinho lá no distante Paraíso
Mas ela falou pro Promotor e este foi conciso
Pediu minha prisão e fui parar no frio piso
Onde amarguro até agora minha falta de siso

Três vezes a liberdade pelo advogado pedida e negada prá Zé Bedeu
Mas no Brasil a prisão várias vezes pedida foi negada pro Zé Dirceu
Tenho certeza que os crimes dele são mais graves que o meu,
E presunção de inocência não existe para caras como eu

Um tal de Honoré de Balzac disse que a justiça é como teia de aranha,
os grandes insetos a rompem e os pequenos ficam presos
Mas a vida de pobre é assim, e isto não me provoca sanha
Por isso meus amigos não devem ficar surpresos
Se por mais alguns dias me deixarem em cana

Porque sou o Zé Bedeu e não o Zé Dirceu
E o caso dele, como já disse, é mais grave que o meu
O ladrão de medalhas e energia é o José Marin
E com tudo isso acaba sobrando... só prá mim

Mas por todos está olhando e zelando nosso Pai Celestial
Que um dia vai julgar todos sem distinção, em Juízo Final
Autoridades constituídas, enfim todos que fizeram o bem e o mal
E da sentença proferida não caberá recurso a nenhum tribunal.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Sob a tragédia, João continua em pé



Dilmércio Daleffe
Descendente de espanhóis, João Luiz Fernandes sempre foi forte. Destemido guerreiro das terras vermelhas de Mamborê, lutou enquanto jovem para formar família nos campos da região. Veio de um lar íntegro, cuja educação o levou a caminhos corretos. Mas mesmo sabendo o que queria, foi personagem de uma tragédia sem igual. Um fato inusitado que mudou seu futuro. No dia 04 de maio de 1956, aos 27 anos de idade, perdeu de uma só vez a esposa, três filhos, dois irmãos e uma sobrinha. Segundo ele, Deus levou tudo o que tinha, mas decidiu “preservá-lo”, como uma espécie de prova. Hoje, aos 85 anos, ele está em pé. Constituiu nova família, gastou o que tinha para formar os sete filhos e vive feliz ao lado da companheira, Nadir. Desafiado pelo destino, João ficou sem chão. Mas conseguiu superar a dor, embora jamais conseguisse esquecer daquele dia de terror.

João Fernandes e a companheira Nadir
João nasceu de uma família com raízes na Espanha. Os avós chegaram ao Brasil no início do século. Anos depois, já crescido, o pai de João deixou o interior paulista para buscar terras no Paraná. Ele casou, teve seis filhos e então chegou por volta de 1946 à região de Mamborê. Lá, numa comunidade rural chamada Bairro dos Paulistas – hoje Canjarana – João encontrou uma moça, Ana, com quem casou. Juntos tiveram três filhos – Jeremias, Obadias e a menina Lóide. Viviam de um modo bastante simples, uma vez que naquele tempo quase não haviam recursos. O conforto dos dias atuais era coisa irreal, impensada. Numa casa de madeira cerrada, João acomodou os cinco.
Arquivo Pessoal
Casa que foi devastada pelo vento
No Bairro dos Paulistas, João recebeu do governo um pedaço de terra para viver com a família. Era um sítio modesto, mas o suficiente para sua renda. Criava porcos e os engordava para a venda. Para isso, dedicava-se para manter sempre uma boa ração aos animais. E foi assim, que na madrugada daquele dia 04 de maio de 56, deixou a propriedade para colher milho numa outra comunidade, distante 18 quilômetros dali. Era o tal Pinhalão, lá pros lados de Goioerê. João passou dia e noite naquele lugar. Mas ao amanhecer, recebeu a visita de um de seus empregados. Ele chamava o patrão para voltar ao sítio. João sabia que não era boa coisa. Mas o capataz não adiantou o assunto.    
Ao chegar à sua propriedade, a vida de João parecia ter desaparecido. Ali já não havia mais casa, cerca, animais, gente. Tudo havia sido dizimado por um ciclone, um redemoinho, ou muito possivelmente, um tornado. Nos seus 27 anos, todo um passado parecia ter sido apagado. De tudo o que havia vivido até aquele momento, restava apenas ele próprio. No sítio tudo estava de cabeça para baixo, tamanha a força do vento. Vizinhos contam que chovia na hora. Eram cerca de 20h quando a tempestade começou. Rajadas de vento avisaram a chegada da tormenta, que terminou com o tal redemoinho. Não sobrou ninguém pra contar a história. Apenas alguns vizinhos distantes, que também tiveram estragos em suas casas, porém, sem vítimas.
João conta que pedaços da casa foram encontrados em Farol e em Roncador. Parte da cama onde estava a esposa, Ana, foi identificada no topo de uma árvore a 500 metros da casa. Tudo foi espalhado, inclusive as sete pessoas que ali estavam: Ana, com 22 anos, os três filhos de 6, 4 e 2 anos, Carmo, um irmão de João, além da irmã Leandrina, que havia acabado de chegar de Londrina com a filha de seis meses. Os corpos foram encontrados a 300 metros distantes de onde estava a casa de madeira. “Até hoje não tenho palavras pra descrever o que senti. É algo muito ruim. Não consigo esquecer”, diz João. Depois de velados, os familiares foram sepultados no cemitério da comunidade. Permanecem lá até hoje.

''Até hoje não tenho palavras pra descrever o que senti.''
João lembra que só teve forças para superar a tragédia devido ao carinho e conforto da comunidade. Um pastor, amigo seu, também estendeu a mão e o levou até um seminário, onde permaneceu por alguns meses. Lá, ouvia a palavra de Deus, o que colaborou para entender que o que havia passado não era um castigo. Mais tarde deixou o local e voltou a seguir com sua vida. Vendeu a propriedade e aplicou o dinheiro agora, no comércio. Comprou uma máquina de arroz em Mamborê e assim, reiniciou sua nova jornada. Foi então que pediu Nadir em casamento e da união tiveram sete filhos, todos formados e encaminhados. Jamima é a mais velha. Hoje é jornalista em Londrina. Como ninguém é perfeito, aventurou-se na política. Em 1965 foi vereador e em 1970, vice prefeito de Mamborê.
Atualmente João mora numa casa em alvenaria, bastante confortável numa rua tranqüila de Mamborê. Ao seu lado, a companheira Nadir. Juntos, os dois passam os dias numa paz de dar inveja. Também pudera, além do trabalho de uma vida inteira, já fizeram sua parte na formação e educação dos “meninos”. Agora vivem a dois momentos de ternura, cujas lembranças os remetem a tranquilidade. É bem verdade que parte da história de João sempre terá marcas amargas. Como ele mesmo disse não consegue esquecer a tragédia. Mas o tempo é o senhor da razão. E foi apenas por este motivo que ele conseguiu contar o terror daquela noite de 1956