quarta-feira, 20 de junho de 2012

“Seo” Jorge era um menino com cabelos grisalhos




Dilmércio Daleffe
O céu cinzento de ontem não trouxe boas notícias. Internado há quase uma semana por problemas pulmonares, Jorge Fernandes de Moraes, o “seo” Jorge do Bar Aparecida, não resistiu. Pioneiro de Campo Mourão, morreu aos 85 anos de idade. Deixou o plano terrestre de forma tranqüila, calmamente, como sempre foi. Com a vida, adquiriu uma serenidade invejável. Deixou o stress no caminho, passando a viver num estilo zen. Jorge era mais que um simples cara. Era um marido, um pai, um avô, um bisavô, um amigo. Um homem extraordinariamente pacífico e, acima de tudo, honesto e íntegro. As lições deixadas por ele certamente semearão novos canteiros. Flores saudáveis e sinceras surgirão.
“Jorjão” como era chamado pelos amigos, chegou a Campo Mourão quando a cidade resumia-se apenas em poeira. Nasceu em Siqueira Campos, Norte do Paraná, em 23 de abril de 1927. Mas certo dia, decidiu com a família vir às terras da região central do estado. Vieram de caminhão abrindo picada em meio ao mato. Ao lado da esposa, Clarinda, teve seis filhos. Um deles era Martinho, o Doutor Martinho, falecido há dois anos. Já em Campo Mourão abriu um bar na avenida Capitão Índio Bandeira. Era o Bar Aparecida, um estabelecimento comercial que perdurou mais de 35 anos.
Pasmem! Mesmo trabalhando por quase toda a vida atrás do balcão de um bar, “seo” Jorge conseguiu formar os seis filhos. O dinheiro para os estudos saíram de moedas pagas com uma simples dose de pinga, ou de refeições através do que ele mesmo se referia como “zambau”. Muita gente passou por ali, desde pessoas comuns, a políticos. Os Presidentes Fernando Henrique Cardoso e João Batista Figueiredo tomaram um cafezinho servido por ele.
As histórias do Aparecida são inúmeras. Ainda sem asfalto, a Capitão Índio Bandeira era só terra. Jorge contou que entre as décadas de 40 e 50, os caminhões com madeira se reuniam em frente ao bar. Carregados, os motoristas se alimentavam para depois, encarar uma viagem até Brasília. “Muita madeira de Campo Mourão foi utilizada na construção da capital do Brasil”, lembrou ele durante uma entrevista.
Como o movimento do bar era intenso, por um tempo, passou a funcionar 24 horas. Isso na década de 60. Tanto é que num determinado momento, “seo” Jorge decidiu retirar as portas do estabelecimento. “Elas não serviam pra nada. Então eu tirei elas”, disse. Numa outra ocasião, mais precisamente, na chuva de granizo de 71, o Aparecida teve o teto completamente devastado. Mas nem por isso foi impedido de funcionar. Com guarda chuvas, Jorge passou a atender todos os seus clientes. A cena era hilária. Clientes e o próprio dono do bar de guarda chuvas sob o teto perfurado.
O Bar fechou as portas em 2002. Mas suas histórias não ficaram aprisionadas com ele. Elas estão soltas ao vento, na memória dos amigos de Jorge. O Aparecida definitivamente marcou um tempo de desenvolvimento da cidade, registrando fatos e acontecimentos. Foi somente depois de baixar as portas do estabelecimento que o “vô Jorge” conseguiu botar as pernas pra cima. Parou de trabalhar e, já aposentado, dedicou o restante de sua vida à família e a sua saúde. Passou a caminhar intensamente. Mas também foi nesse mesmo período quando teve problemas de coração. Fez ponte de safena e colocou marca passo. Tudo ia bem até a última semana, quando as conseqüências do maldito vício do cigarro, utilizado durante 40 anos, resolveram aparecer. O organismo cobrou e Jorge não suportou.
Contudo, ficam as histórias e o sorriso daquele eterno garoto de cabelos brancos. Jorge era assim, uma criança teimosa. Sorria o tempo todo e fazia piada com as dificuldades da vida. E elas não foram poucas. Chamava suas netas de “bem”. Era um baita companheiro. Para ele não havia momento ruim. Possivelmente, o seu pior momento foi a perda do filho Martinho. Muitos acharam que não iria suportar aquela dor. Porém, quando se viu, era ele quem apoiava os filhos. O homem era uma muralha.
Certa vez alguém disse que o sorriso e as gargalhadas, eram o principal remédio contra as doenças. Apesar dos dramas enfrentados, “seo” Jorge sempre ultrapassou as barreiras com grande estilo, de cabeça erguida, sorrindo. De certa forma, ele descobriu algumas curas e, por isso, “viverá” para sempre, pelo menos na memória de quem o conheceu. Afinal, as crianças jamais são esquecidas. “Seo” Jorge, nossos corações estão com você!           
      

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