Dilmércio Daleffe
O ano era 1971 quando João Gustavo Dobruski e seu pai, Alexandre, arrumavam uma estrada vicinal com enxadas nos rincões de Cruzeiro do Oeste – 100 Km de Campo Mourão. Juntos, pai e filho usavam o caminho para chegar até a cidade. Mas quando a chuva caía, parte da via ia embora. Naquele ano, enquanto remexiam as pedras para melhor escoar a água, encontraram ossos encravados nas rochas. Mal sabiam eles que aquele momento passaria a transformar-se em história. Sem querer, os Dobruski descobriram fósseis de um animal pré-histórico. Na verdade, um réptil chamado Pterossauro. Um achado sem precedentes do primeiro Pterossauro da Bacia do Paraná. Um voador de cerca de 100 milhões de idade, cuja envergadura quando adulto chegava a pouco mais de dois metros.
Os Dobruski eram pequenos produtores rurais numa Cruzeiro do Oeste recém criada. Chegaram ao local ainda em 51. Vieram de Astorga a procura de uma vida mais promissora. Mas se as condições das estradas de hoje são ruins, o que dizer delas na década de 70. O jeito mesmo era meter a enxada e arrumar da maneira que dava. E assim aconteceu. Num dia chuvoso, pai e filho decidiram organizar canaletas da via para que a correnteza da chuva escorresse sem danificar o caminho. Começaram a verificar ossos petrificados por todos os cantos. Mais que isso. Com a enxurrada, o leito da estrada ficou “lavado”, “limpo”. Grandes detalhes brancos ficaram à mostra. Eram resquícios, ossos, que surgiram depois de milhões e milhões de anos. Os Dobruski fizeram história e, de alguma maneira, entraram para o mundo dos Pterossauros.
Alexandre logo ficou entusiasmado com a descoberta. De um simples agricultor, começou a ter idéias grandiosas. Queria desvendar o mistério e buscar saber do que se tratavam aqueles ossos. Parecia até uma espécie de Indiana Jones. Mas sem saber para quem enviar os fósseis, acabou os guardando em casa. Quatro anos depois, em 1975, parentes dele que estudavam na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) levaram os achados para o Departamento de Geografia. Desde então nunca mais tiveram notícias sobre as investigações. O mistério e a ansiedade sobre os ossos terminaram em 1986. Alexandre morreu. Ele jamais soube que sua empreitada o colocaria na história. Morreu esperando uma única resposta. Um retorno na pesquisa científica. Mesmo o material ficando numa das gavetas daquela universidade por anos a fio, nunca foram a fundo nos estudos. Pior para Alexandre que entrou para a história sem nunca saber.
Ainda intrigado, anos depois, em 1989, o filho João enviou outros fósseis agora para a Universidade Estadual de Maringá. Também não obteve retorno sobre as pesquisas. Passados outros 21 anos – julho de 2011 -, recebeu a notícia de que pesquisadores estavam em Cruzeiro do Oeste à sua procura. Foi a prova que precisava para voltar a acreditar na ciência. Ali, naquele momento, soube que as descobertas que fez ao lado pai, há 40 anos, eram importantes, um verdadeiro achado para o mundo da paleontologia. João, hoje, aos 63 anos de idade, passou a ser um adorador do assunto. Um entusiasta. “Se pudesse voltar no tempo, estudaria arqueologia”, revelou.
João Gustavo Dobruski trabalha já há bastante tempo numa revenda de caminhões em Cruzeiro do Oeste. Seus rendimentos fazem jus pela comercialização de grandes veículos “terrestres”. Mas seus sonhos mesmo estão nos céus. Vez em quando ele olha para cima e fica imaginando animais pré-históricos que poderiam ter habitado a região. Desde que soube da importância das descobertas, vive a história do próprio pai, Alexandre, que morreu sem saber que era o “cara”. Além dos Pterossauros, João disse ter encontrado grandes pegadas de outros animais.
Nos próximos dias, ele deve levar os pesquisadores até o local. João contou que os fósseis enviados a Ponta Grossa só foram “redescobertos” em 2011 – 36 anos depois – porque dois pesquisadores – Paulo Cesar Manzig e Luiz Carlos Weinschutz – buscavam fotografias no acervo da UEPG para figurar no livro que escreviam sobre museus e fósseis. Ao abrirem uma das gavetas do departamento, encontraram o que para eles era uma grande descoberta. Um Pterossauro perdido na gaveta. Sem maiores informações, identificaram apenas uma etiqueta “Cruzeiro do Oeste”. E foi o suficiente para encontrar João Gustavo Dobruski, o Indiana Jones da cidade.
No mesmo dia caminharam até o local onde estão os fósseis. O cenário é tão intenso, tão rico em detalhes, que um dos estudiosos chorou emocionado. Afinal de contas, trata-se de um achado de 100 milhões de anos. O fato tornou-se tão importante que passou a ser contado no livro “Museus e Fósseis da Região Sul do Brasil”, cujo lançamento acontece amanhã em Cruzeiro do Oeste. “Esta descoberta só foi possível graças à consciência científica de dois cidadãos comuns, Alexandre e João Dobruski. Eles tiveram a percepção da importância que poderia ter para a ciência aquele material enviando-o para uma universidade”, afirmou Manzig.
Informações também dão conta de que o município irá desapropriar parte da propriedade que abriga os fósseis. Ou seja, nos próximos dias o local se transformará num sítio arqueológico. Bom para os pesquisadores. Ruim para os vândalos, que insistem em escavar o que não conhecem. Querem apanhar ossos sem saber depois o que fazer com eles. No último domingo, pessoas chegavam no caminho dos Pterossauros com sacolas para levar achados. Um absurdo em nome da ignorância. As espécies evoluem. Mas parece que o homem, não.
Pterossauros de Cruzeiro do Oeste
No local já foram detectados pelos menos nove animais, sendo dois adultos. Os Pterossauros eram animais voadores que habitavam sempre áreas litorâneas. No Brasil foram encontrados na região Nordeste. O que intriga os estudiosos é como estes fósseis foram parar numa região onde definitivamente, o mar não é predominante. No entanto, pode-se afirmar que várias características já encontradas classificam os achados de Cruzeiro do Oeste na família Tapejaridae, Pterossauros brasileiros da Chapada do Araripe, os mesmos que se tornaram conhecidos mundialmente pela crista avantajada.
Como eram os Pterossauros
Os Pterossauros constituem uma ordem extinta da classe Reptilia que corresponde aos répteis voadores do período Mesozóico. Embora sejam seus contemporâneos, estes animais não eram dinossauros. O grupo surgiu no Triássico Superior e desapareceu na extinção K-T, há 65 milhões de anos. Os primeiros pterossauros tinham mandíbulas cheias de dentes e uma cauda longa, enquanto que as espécies do Cretáceo quase não possuíam dentes numa mandíbula que parecia um bico e a cauda estava bastante reduzida.
Alguns dos melhores fósseis de pteurossauros vêm do planalto de Araripe no Brasil. Os primeiros fósseis de pterossauros foram descobertos em 1784 pelo naturalista italiano Cosimo Collini, que os interpretou como sendo de um animal aquático. Foi só no século XIX que Georges Cuvier sugeriu tratarem-se de animais voadores. As asas dos pterossauros eram constituídas por membranas dérmicas, fortalecidas por fibras, ligadas a partir do quarto dedo, que era desproporcionalmente longo. O pulso contém um osso extra, o pteróide, que ajuda a suportar esta membrana. As asas dos pterossauros terminavam nos membros posteriores, ao contrário dos morcegos atuais, onde as asas são braços modificados.
Outras adaptações para o vôo incluíam ossos ocos (como as aves modernas) e um esterno em forma de quilha, próprio para a fixação dos músculos usados no vôo. Os pterossauros não tinham penas, mas há evidências de que algumas espécies pudessem ter o corpo coberto de pêlos (no entanto, diferente do dos mamíferos). O estilo de vida destes animais sugere que fossem de sangue quente (endotérmicos).
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