Ele
está na estrada há 16 anos. Não tem carro, casa, família, quase nada. Aliás tem
algo sim. Uma carriola, dois cães companheiros de viagem e um destino: o mundo.
Decidiu fugir do universo capital para tornar-se um invisível.
Dilmércio Daleffe
Ele andava de chinelos pelo acostamento da BR-369, na última
semana, entre Campo Mourão e Juranda. Sob um céu completamente azul, caminhava no
frio intenso ao lado de seus dois únicos companheiros: dois cães sem raça. Ele,
Edilso, possui aproximadamente 45 anos. Com cabelos rastafári, mostra na cara o
sofrimento já enfrentado nos quilômetros percorridos. De poucas palavras, quase
não falou. Estava com pressa. Pressa para chegar a lugar algum. Não sabia ao
certo onde queria ir. Não sabia o que iria fazer. Um aventureiro sem destino,
mas que na verdade, tinha motivos de sobra pra estar ali.
Conta ele que percorre as estradas do país desde 1998. Era
casado, tinha filhos, mas a família acabou não dando certo. Então deixou tudo e
decidiu proclamar sua liberdade, sua independência. Caiu na estrada sem olhar
pra trás. Anda o dia todo há 16 anos. Ao lado de “Princesa”, a vira-latas
adulta, e de “Pitoco”, o cão menor, tudo o que tem carrega numa carriola. São
poucos pertences. Algumas latas onde faz a comida, duas cobertas velhas,
papéis, roupas e uma esperança infinita.
Edilso nasceu em Guaíra, mas teria sido levado bem jovem até
a capital do estado pelos pais. Lá cresceu, arrumou mulher e trabalhou na
construção civil. Preferiu não explicar o que teria acontecido para cair na
estrada. Mesmo assim, diz que ainda mantém contato com os filhos, em Curitiba.
Inclusive será avô em breve. Para psicólogos, a maior parte dos andarilhos
acaba decidindo se isolar em estradas, principalmente, depois de passar por dramas
familiares. O peso de alguns fatos ocasiona o alcoolismo e até, distúrbios
mentais.
Mas em um tempo em que a sociedade aprendeu a pensar apenas
em dinheiro – aqui tudo se faz, se pensa ou se planeja em virtude do capital –
Edilso tornou-se um homem invisível. Ele está do lado de fora da sociedade dita
civilizada. Foi excluído. E apenas por um motivo claro: aqui não existe lugar
para quem não pensa em dinheiro. Todos tem que ser iguais. Por isso, Edilso
anda de cidade em cidade, de estrada em estrada, sem nunca ser percebido. À
maioria das pessoas, sua figura diferente chega a causar náuseas. Mas esquecem que
a simplicidade, chega ser elegante.
O andarilho conta que passou muito frio nos últimos dias,
chegando a temperaturas negativas. “Me embrulhei nas cobertas que tenho e dormi
com os cachorros nos pés. Esse foi o jeito”, disse. Companheiros de sua
infinita viagem, os dois cães o acompanham na boa. A mais velha vai andando ao
lado de Edilso, enquanto o menor, fica preso dentro do carrinho. Não fossem os
dois, Edilso viraria um ilhado, ainda mais sozinho em seu mundo de excluídos.
Edilso não sabe quantos quilômetros já andou, ou quantas
cidades conheceu. Pode-se dizer apenas que o sujeito é como o vento. Basta
ventar pra ele sumir. E, devido a sua correria, não se sabe ao certo se está
fugindo ou correndo ao encontro. Ser como é, optar por este caminho, estar
aquém do mundo capital é uma decisão sua. Ninguém pode julgá-lo por isso. Mais.
Se virou invisível, é porque, de alguma forma, quer afastar-se dos problemas capitais,
ou, simplesmente, dos problemas dos outros. Edilso continua a seguir sua
viagem.
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