quarta-feira, 17 de julho de 2013

De trapos humanos a Fábio e Márcio

Fábio e Márcio se conhecem faz pouco tempo. Um é de Campo Mourão, outro de São Paulo. Em comum apenas a luta para se afastar do crack. Tinham uma vida íntegra, mas acabaram no inferno. A droga transformou os dois em verdadeiros trapos humanos. Perderam a vergonha, a dignidade, o moral. Agora, tentam reencontrar o caminho correto. Entre anjos e demônios, sobraram apenas esperanças. 

      
De trapos humanos, a Fábio e Márcio


Dilmércio Daleffe

Acontece nas melhores famílias. Em todos os cantos e lugares, lá está a droga, o crack. Dissolvendo lares e arrebentando o que de melhor há na vida. Destrói o sorriso ingênuo do menino, a pureza das meninas, o prazer em viver das mães. A dura realidade das ruas é assim mesmo.  Aliás, a vida é uma virtuosa caixa de surpresas. Nos casos de Fábio e Márcio, não é diferente. Juntos, os dois são vítimas do furioso mercado dos entorpecentes. Entraram pela inocência. Saíram pela porta do inferno. Mas a tortura ainda não acabou. Eles enfrentam agora o início da abstinência. Estão se afastando aos poucos do crack. Mas a força há de ser extrema. Caso contrário, voltam direto aos braços do diabo.

Fábio Correa perdeu o pé devido ao crack


Fábio Correa ainda é jovem. Aos 28 anos já viu de tudo na vida. Enfrentou seus demônios e acabou acolhido por anjos. Sempre tendeu ao caminho errado das coisas. Mas agora, decidiu caminhar pelas vias do bem. Conta que cresceu num lar saudável, com pais dedicados e uma educação correta. Era um menino do bem e ficava em casa a maior parte do tempo em São Bernardo do Campo, em São Paulo. Mas acontece que um dia conheceu uns “carinhas” da favela Brasópolis. E lá iniciou seus dois maiores talentos: a música e o crack. O menino certinho, passou a ser um dependente químico.

Mesmo na dependência, Fábio continuava a trabalhar. Foi repositor de supermercado, mas usava a grana pra financiar as “viagens”. Aos 22 anos e afundado no crack, começou a roubar objetos de casa. A troca era no traficante. Perdeu o emprego e já não se dava bem com os pais. Um dia roubou uma moto. Foi preso. Outra vez conseguiu uma arma e tentou assaltar. Cansado daquela rotina, apanhou um ônibus e saiu pelo mundo. Abandonou sua casa, desistiu dos pais e traçou um caminho sem volta. Transformou-se num andarilho. Ia de cidade em cidade sem rumo. Esqueceu-se dos sonhos, virou mendigo, alcoólatra e já não ligava mais para sua aparência. Fábio era como um trapo humano. Mas como ele mesmo prefere se auto designar, virou um “verme”.
O acidente

Perdido, foi de Santos a Curitiba a pé. Chegou a desejar morrer, mas não teve coragem para tirar a vida. Então, sem dinheiro, começou a tomar álcool puro. Ficava intoxicado com o produto, o que fazia com que se esquecesse do crack. Percebendo sua degradação moral, internou-se em alguns lugares por onde andou. Mas a ficha nunca caía. O ápice de sua auto destruição foi no ano passado, em Limeira, São Paulo.  Segundo ele, estava nos trilhos do trem bebendo e usando drogas com outros dependentes quando subiu num dos vagões. “Doidão”,  ficou pendurado numa das laterais do trem. Mas a locomotiva começou a andar e ele foi junto. Acabou espremido na plataforma. Quando se soltou caiu ao lado dos trilhos ainda com o trem em movimento. Salvou sua vida. Mas não salvou um dos pés. A roda o esmagou junto ao trilho.  

Uma vida em recuperação

Fábio terminou o primário e logo foi pra rua. Músico, chegou a ganhar dinheiro e um troféu num festival. Mas o caminho escolhido foi o errado e até o violão ele vendeu para fumar o crack. Nas andanças, viu gente morrer ao seu lado. Conta que estava usando drogas numa calçada da região de Brasília quando chegou um homem de moto e efetuou diversos disparos no cara ao seu lado. Outras vezes presenciou traficantes executando devedores com pauladas e facadas.

Fábio é bem instruído. Fala bem e sabe o que quer. Está há quatro meses livre da droga e do álcool. Ele está no albergue de Campo Mourão e aqui tenta livrar-se de seus demônios. Sabe que não vai travar uma luta leal. Afinal, esta é décima vez que tenta parar. Mas ao que tudo indica, parece estar na via certa. Os anjos estão a sua volta. (DD)


Márcio “fumou” a própria vida


Dilmércio Daleffe

Márcio Cândido está decidido: “Não quero mais isso dentro de mim”. Usuário de crack há 12 anos perdeu todo o pouco que tinha com a droga. Sua vida começou a desandar depois que perdeu os pais. Nasceu em Luiziana e teve uma educação rural, daquelas inocentes, sem maldades. Veio então a Campo Mourão, onde arrumou trabalho numa borracharia. Aqui conheceu a maconha. Depois a cocaína. Finalmente, caminhou um pouco mais até o abismo do crack.

Márcio Cândido decidiu deixar o inferno


Casou-se em 2003 e teve duas meninas. Mas acontece que a maior parte de seu salário não chegava em casa. Era semeado entre bocas de fumo, pertencentes a traficantes desprovidos de alma. Como a grana faltava sempre, sua esposa cansou-se daquela rotina. Um dia, quando Márcio saiu para trabalhar, ela decretou a separação e foi embora da casa com as duas filhas.

No final do dia, Márcio retornou e não encontrou mais ninguém. Naquele momento havia apenas ele e um vestidinho de criança caído ao lado da cama. Com raiva, apanhou o que mais tinha valor – uma bicicleta, um rádio e outro aparelho – e trocou por crack. Naquela noite, ele decidiu que ia se afundar. Escolheu o caminho escuro e acabou pagando por isso. 

Sem motivos para viver, não foi mais trabalhar. Então um dia “fumou” o guarda-roupas. No outro “fumou” o sofá. Até as panelas colocou num saco e vendeu para o ferro velho. Quando percebeu estava numa casa alugada – sem pagar dois meses de aluguel – sem móveis, sem pia, sem panelas e apenas com um colchão velho no chão. Ele havia acabado com o pouco adquirido em toda sua vida. Tudo pelo crack. Para piorar, fez da casa que abrigava suas filhas e esposa, um fumódromo de viciados. Sua situação era tão precária que ficou seis dias sem comer. Vivia para a química. O homem que sempre acreditou em Deus acabou escolhendo o diabo. Mas atordoado, não conseguia enxergar a si próprio. No fim foi até despejado.  

Numa das quatro tentativas em parar com a droga, Márcio conheceu um sujeito. Ele o convidou para ir até Santa Catarina. Deixou o tratamento e rumou a mais uma aventura. Lá, ia de cidade em cidade, fazendo bicos e comprando crack. Um dia entrou numa construção e depois de alguns dias recebeu o pagamento. Ele olhou aquele dinheiro e pensou: “Vou voltar pra Campo Mourão. Estou com saudades das minhas filhas”. Então comprou uma camisa e um sapato novo, cortou o cabelo e foi até a rodoviária. Mas não chegou até lá. O companheiro de viagem falou mais alto e o convenceu a ficar e usar droga. Passados alguns dias, até a roupa nova teve que vender pra sustentar o vício.

As filhas vão salvar Márcio

“Sabe de uma coisa, quando eu usava o crack nem lembrava das minhas filhas. Agora que estou sem usar, só penso nelas”, disse Márcio. Aos 32 anos de idade, ele decidiu que parará com o vício. Já são quase quatro semanas de abstinência. Ele conta que voltou de Santa Catarina disposto a retomar sua vida. “Virei mendigo, um trapo humano. Quando voltei de lá estava barbudo e banguela. Perdi minha dentadura depois de uma convulsão na rua”, revelou. A situação era tão desesperadora que um dia, de volta a Campo Mourão, viu a sogra com as meninas na rua. Envergonhado com sua aparência, teve vontade de se esconder. Mas a saudade das meninas era tanta que as abraçou. Hoje, ele está se recuperando no albergue de Campo Mourão. A esposa ele não mais conquistou – quem sabe um dia. Mas as duas filhas, de 7 e 6 anos, as vê todo domingo. Márcio descobriu que nem todo abismo é uma queda contínua. (DD)  

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