terça-feira, 30 de julho de 2013

domingo, 28 de julho de 2013

Macedone desenhou o próprio destino

Ele dormia sob viadutos e em praças centrais de São Paulo. Analfabeto, veio do nordeste sem expectativa alguma de melhores dias. Mas quis o destino que seu futuro fosse iluminado. E nas terras vermelhas do Paraná, Macedone trabalhou, lutou e venceu. Hoje, o homem simples, enriqueceu.

Dilmércio Daleffe




Macedone Ferreira da Silva é um legítimo brasileiro. Nasceu em Poção, no sertão pernambucano em 41. Passou sede, viveu na miséria e viu coisas que a maioria só vê pela tv. Cansado, deixou o pai para seguir ainda na década de 60, a exemplo de muitos nordestinos, à cidade de São Paulo. Mesmo jovem, comeu o pão que o diabo amassou. Dormia em praças e até debaixo de viadutos. Quando se alimentava, era um ovo por dia e olhe lá. Foi servente de pedreiro, vendeu pratos, sapatos e transformou-se num marreteiro. Ou seja, foi camelô nas ruas centrais da capital paulista. Ali, aprendeu a vender roupas. Mas acontece que conheceu pessoas erradas e, assim, acabou no inferno. Virou alcoólatra, afundou-se em dívidas e mal conseguia trabalhar. Um dia, ouviu falar de um tal Jesus Cristo. Apegou-se a ele e prosperou. Hoje, Macedone mora no Paraná. Constituiu família e criou o próprio “império”. De roupa em roupa, é dono de vários imóveis, propriedades rurais e responsável por três lojas em Campo Mourão e região. Macedone venceu.

Aos 72 anos de idade, Macedo – como é conhecido, pensa no passado e reflete a possibilidade de ter sido um bandido. Afinal de contas, ele tinha todas as chances de ter caminhado pela estrada errada. Num país preconceituoso, o sujeito é descendente de negros, nordestino, era pobre e ainda, analfabeto. Ou seja, tudo o levava à falta de oportunidades, a exclusão da sociedade, aos bueiros sedentos por sangue, principalmente, na cidade grande.

A história do menino teve início nas terras secas do nordeste brasileiro. Nasceu na cidade de Poção, Pernambuco, ainda em 41. Ali viu a mãe morrer quando tinha apenas sete anos. O lugar era tão castigado que tinham que buscar água a 16 quilômetros de onde moravam.  Passou a morar com o pai e outros dez irmãos. De pouco em pouco ficou sozinho. Os mais velhos foram para São Paulo tentar a vida. Descobriu uma habilidade que mudaria sua vida mais adiante: os negócios. Começou a negociar porcos, e deu bem. Mas o pai não gostou e achou melhor que deixasse a casa. Então foi morar com um amigo da família. Lá, especializou-se na arte em negociar. Mas um dia pensou mais alto, seguiu o caminho dos irmãos e foi para São Paulo.

Numa viagem de pau de arara até a capital, levou 18 dias. Lá chegando buscou os irmãos e foi acolhido. Mas a vida na cidade grande é difícil. Ainda mais sendo um imigrante nordestino. Um dia deixou a casa da irmã e buscou o próprio destino. Foi servente na construção civil por alguns anos. Sem grana, dormia em praças e sob viadutos da área central de São Paulo. Foi então que começou a vender roupas em pontos diferentes da cidade. Num local, iniciava as vendas às 5 da manhã e ficava até às 7. Depois disso tinha que desaparecer, senão o “rapa” o pegava.

Passou a frequentar feirinhas vendendo de tudo. “Já vendi sapato, prato, animais, roupa”. Com o tempo, ia até uma fábrica de confecções no alto da Mooca e enchia uma perua com roupas. Vendia tudo. Sua vida foi marcada por altos e baixos, inúmeras vezes. Quando estava fazendo seu “pé de meia”, surgiram os falsos amigos. Eles o apresentaram ao álcool. Desconhecendo um caminho sem volta, Macedone rumou rápido demais. E acabou pagando por isso. Perdeu todo o dinheiro, ficou sem produtos para vender e, mais cedo do que imaginava, descobriu jamais ter tido amigos. “O único amigo que existe chama-se Jesus Cristo”, disse.

Macedone voltou a dormir na rua. Estava como um trapo humano. Conta que nem acreditava mais em si. Perdeu as forças ao trabalho e já deixava a vida de lado. Mas um dia, algumas pessoas o acordaram numa das praças em que dormia. “Eles falavam em Deus e pediram para que eu tivesse uma experiência com Jesus Cristo. Foi o que me salvou”, lembra. Daquele dia em diante, Macedone abandonou o caminho que andava e deixou a bebida. Começou a trabalhar e ganhou dinheiro. Numa manhã normal entre tantas outras conheceu uma família na feira. Eram do Paraná, mais especificamente de Campina da Lagoa. A amizade fluiu e um dia o convidaram para que conhecesse a cidade.

Lá pelo ano de 1975, Macedone veio até Campina da Lagoa e apaixonou-se pelo local. Chegou apenas com uma sacola velha, cheia de roupas para vender. Ela, inclusive está guardada até hoje em sua casa – como uma espécie de prova. Em Juranda, montou uma lojinha, a qual perdurou por sete anos. Foi fechada apenas no início da década de 80, quando decidiu que sua nova casa seria Campo Mourão.

Na cidade, abriu sua primeira loja – existente até hoje – e, de peça em peça, cresceu. Anos depois conheceu Maria de Fátima, a esposa, com quem teve duas meninas. Reflexo do suor do trabalho, a família prosperou. Honestamente, conquistaram bens e imóveis, provando que apenas o esforço transforma a vida.

Aos 72 anos, Macedone e a mulher acabam de inaugurar mais uma loja de tecidos, em Iretama. Eles não param. E não da nem para acreditar que o homem simples, que jamais frequentou um dia sequer de escola, que dormia ao relento sob os viadutos sombrios, voou tão alto. É como um roteiro de cinema, uma história inacreditavelmente bem contada e que, ao invés de finais trágicos, teve um final feliz. O homem brilhantemente apto aos negócios, venceu sem nunca ter aprendido ler nem escrever.   

Renato e seu inseparável “Bala”

Renato Luis Stefanuto jamais pensou em ter uma ave em casa. Mas quis o destino que fosse assim. Depois de ser presenteado por “Bala”, o pequeno Corrupião, passou a descobrir um amigo inseparável. Juntos, fazem coisas que ninguém acreditaria. Mas agora a história será contada.


Dilmércio Daleffe



Ninguém é uma ilha. E, ainda solteiro, Renato Luis Stefanuto já escolheu seu companheiro de estimação. Poderia ser um cão, um gato ou até uma tartaruga. Mas não. Optou por um pássaro, o “Bala”. Trata-se de uma ave sem igual, diferente de tudo o que já se viu. Um grande parceiro para todas as horas. Acontece que o bicho faz coisas inacreditáveis, tudo para ficar ao lado de seu dono. Só pra se ter ideia, “Bala” já fez sauna, dormiu sob as cobertas e tomou banho com Renato. Os dois são quase inseparáveis.

Tudo começou a cerca de um ano e meio. Renato foi a um churrasco na casa de um amigo. O sujeito mantinha vários pássaros, todos legalizados. Durante a roda de viola, os bichos foram soltos. Mas “Bala”, ao invés de ficar com os “coleguinhas”, decidiu ficar no ombro de Renato. No dia seguinte, os amigos voltaram a casa. Novamente, “Bala” preferiu ficar no ombro de Renato. Assim, o sujeito acabou o presenteando com o Corrupião. “Na verdade eu nunca pensei em ter uma ave. Foi um grande presente mesmo”, disse.

Com o presente aceito, o jeito foi levar a ave para casa. Para sua surpresa, tornaram-se parceiros de verdade. Nos primeiros dias, “Bala” já começava a despontar suas peculiaridades. Mesmo ficando solto dentro do apartamento, o bicho jamais quis sair pelas janelas abertas. Prefere mesmo é permanecer sobre a cabeça das pessoas. Parecendo, ou até, querendo ser gente, a ave tem atitudes que surpreendem. Inúmeras vezes os dois tomaram banho juntos. O nome foi dado por um primo de Renato, Marcos Stanizewski.



Para o espanto de Renato, certo dia, ao abrir a geladeira, “Bala” voou sozinho para o seu interior. Lá, avançou sobre as alfaces e não quis mais sair. “Eu fechei a porta pra ver o que ele ia fazer. Mas ao abri-la novamente, percebi que ele estava tranquilo. Gostou do lugar”, disse. Até hoje, volta e meia, quando está com fome, o pássaro adentra à geladeira – sempre com a ajuda servil do companheiro.

Piloto de aviões, Renato já levou o amigo para voar – como se precisasse de sua ajuda. Às vezes, os dois vão juntos até o hangar, no aeroporto de Campo Mourão. Lá, enquanto ele arruma seus “brinquedinhos”, o bicho fica solto. Mas sem nunca se distanciar. Nem mesmo Renato consegue explicar as atitudes do amigo. “Não sei o que acontece com ele. Ele é uma figura”, ressalta.


Hoje, Renato não consegue mais se imaginar sem o amigo. Trata-se de um corrupião, originário do Nordeste brasileiro e registrado pelo Ibama – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Um bicho meio nervoso, arisco e, ao mesmo tempo, que se protege de tudo. Pode-se dizer que atualmente, quem manda na casa de Renato é o “Bala”. As atenções de toda a família voltaram-se a pequena ave. Até mesmo Daimon, o cão Lhasa apso de sua mãe, teme o bicho. É sempre assim. Dê asas e perca as rédeas.   

quarta-feira, 17 de julho de 2013

De trapos humanos a Fábio e Márcio

Fábio e Márcio se conhecem faz pouco tempo. Um é de Campo Mourão, outro de São Paulo. Em comum apenas a luta para se afastar do crack. Tinham uma vida íntegra, mas acabaram no inferno. A droga transformou os dois em verdadeiros trapos humanos. Perderam a vergonha, a dignidade, o moral. Agora, tentam reencontrar o caminho correto. Entre anjos e demônios, sobraram apenas esperanças. 

      
De trapos humanos, a Fábio e Márcio


Dilmércio Daleffe

Acontece nas melhores famílias. Em todos os cantos e lugares, lá está a droga, o crack. Dissolvendo lares e arrebentando o que de melhor há na vida. Destrói o sorriso ingênuo do menino, a pureza das meninas, o prazer em viver das mães. A dura realidade das ruas é assim mesmo.  Aliás, a vida é uma virtuosa caixa de surpresas. Nos casos de Fábio e Márcio, não é diferente. Juntos, os dois são vítimas do furioso mercado dos entorpecentes. Entraram pela inocência. Saíram pela porta do inferno. Mas a tortura ainda não acabou. Eles enfrentam agora o início da abstinência. Estão se afastando aos poucos do crack. Mas a força há de ser extrema. Caso contrário, voltam direto aos braços do diabo.

Fábio Correa perdeu o pé devido ao crack


Fábio Correa ainda é jovem. Aos 28 anos já viu de tudo na vida. Enfrentou seus demônios e acabou acolhido por anjos. Sempre tendeu ao caminho errado das coisas. Mas agora, decidiu caminhar pelas vias do bem. Conta que cresceu num lar saudável, com pais dedicados e uma educação correta. Era um menino do bem e ficava em casa a maior parte do tempo em São Bernardo do Campo, em São Paulo. Mas acontece que um dia conheceu uns “carinhas” da favela Brasópolis. E lá iniciou seus dois maiores talentos: a música e o crack. O menino certinho, passou a ser um dependente químico.

Mesmo na dependência, Fábio continuava a trabalhar. Foi repositor de supermercado, mas usava a grana pra financiar as “viagens”. Aos 22 anos e afundado no crack, começou a roubar objetos de casa. A troca era no traficante. Perdeu o emprego e já não se dava bem com os pais. Um dia roubou uma moto. Foi preso. Outra vez conseguiu uma arma e tentou assaltar. Cansado daquela rotina, apanhou um ônibus e saiu pelo mundo. Abandonou sua casa, desistiu dos pais e traçou um caminho sem volta. Transformou-se num andarilho. Ia de cidade em cidade sem rumo. Esqueceu-se dos sonhos, virou mendigo, alcoólatra e já não ligava mais para sua aparência. Fábio era como um trapo humano. Mas como ele mesmo prefere se auto designar, virou um “verme”.
O acidente

Perdido, foi de Santos a Curitiba a pé. Chegou a desejar morrer, mas não teve coragem para tirar a vida. Então, sem dinheiro, começou a tomar álcool puro. Ficava intoxicado com o produto, o que fazia com que se esquecesse do crack. Percebendo sua degradação moral, internou-se em alguns lugares por onde andou. Mas a ficha nunca caía. O ápice de sua auto destruição foi no ano passado, em Limeira, São Paulo.  Segundo ele, estava nos trilhos do trem bebendo e usando drogas com outros dependentes quando subiu num dos vagões. “Doidão”,  ficou pendurado numa das laterais do trem. Mas a locomotiva começou a andar e ele foi junto. Acabou espremido na plataforma. Quando se soltou caiu ao lado dos trilhos ainda com o trem em movimento. Salvou sua vida. Mas não salvou um dos pés. A roda o esmagou junto ao trilho.  

Uma vida em recuperação

Fábio terminou o primário e logo foi pra rua. Músico, chegou a ganhar dinheiro e um troféu num festival. Mas o caminho escolhido foi o errado e até o violão ele vendeu para fumar o crack. Nas andanças, viu gente morrer ao seu lado. Conta que estava usando drogas numa calçada da região de Brasília quando chegou um homem de moto e efetuou diversos disparos no cara ao seu lado. Outras vezes presenciou traficantes executando devedores com pauladas e facadas.

Fábio é bem instruído. Fala bem e sabe o que quer. Está há quatro meses livre da droga e do álcool. Ele está no albergue de Campo Mourão e aqui tenta livrar-se de seus demônios. Sabe que não vai travar uma luta leal. Afinal, esta é décima vez que tenta parar. Mas ao que tudo indica, parece estar na via certa. Os anjos estão a sua volta. (DD)


Márcio “fumou” a própria vida


Dilmércio Daleffe

Márcio Cândido está decidido: “Não quero mais isso dentro de mim”. Usuário de crack há 12 anos perdeu todo o pouco que tinha com a droga. Sua vida começou a desandar depois que perdeu os pais. Nasceu em Luiziana e teve uma educação rural, daquelas inocentes, sem maldades. Veio então a Campo Mourão, onde arrumou trabalho numa borracharia. Aqui conheceu a maconha. Depois a cocaína. Finalmente, caminhou um pouco mais até o abismo do crack.

Márcio Cândido decidiu deixar o inferno


Casou-se em 2003 e teve duas meninas. Mas acontece que a maior parte de seu salário não chegava em casa. Era semeado entre bocas de fumo, pertencentes a traficantes desprovidos de alma. Como a grana faltava sempre, sua esposa cansou-se daquela rotina. Um dia, quando Márcio saiu para trabalhar, ela decretou a separação e foi embora da casa com as duas filhas.

No final do dia, Márcio retornou e não encontrou mais ninguém. Naquele momento havia apenas ele e um vestidinho de criança caído ao lado da cama. Com raiva, apanhou o que mais tinha valor – uma bicicleta, um rádio e outro aparelho – e trocou por crack. Naquela noite, ele decidiu que ia se afundar. Escolheu o caminho escuro e acabou pagando por isso. 

Sem motivos para viver, não foi mais trabalhar. Então um dia “fumou” o guarda-roupas. No outro “fumou” o sofá. Até as panelas colocou num saco e vendeu para o ferro velho. Quando percebeu estava numa casa alugada – sem pagar dois meses de aluguel – sem móveis, sem pia, sem panelas e apenas com um colchão velho no chão. Ele havia acabado com o pouco adquirido em toda sua vida. Tudo pelo crack. Para piorar, fez da casa que abrigava suas filhas e esposa, um fumódromo de viciados. Sua situação era tão precária que ficou seis dias sem comer. Vivia para a química. O homem que sempre acreditou em Deus acabou escolhendo o diabo. Mas atordoado, não conseguia enxergar a si próprio. No fim foi até despejado.  

Numa das quatro tentativas em parar com a droga, Márcio conheceu um sujeito. Ele o convidou para ir até Santa Catarina. Deixou o tratamento e rumou a mais uma aventura. Lá, ia de cidade em cidade, fazendo bicos e comprando crack. Um dia entrou numa construção e depois de alguns dias recebeu o pagamento. Ele olhou aquele dinheiro e pensou: “Vou voltar pra Campo Mourão. Estou com saudades das minhas filhas”. Então comprou uma camisa e um sapato novo, cortou o cabelo e foi até a rodoviária. Mas não chegou até lá. O companheiro de viagem falou mais alto e o convenceu a ficar e usar droga. Passados alguns dias, até a roupa nova teve que vender pra sustentar o vício.

As filhas vão salvar Márcio

“Sabe de uma coisa, quando eu usava o crack nem lembrava das minhas filhas. Agora que estou sem usar, só penso nelas”, disse Márcio. Aos 32 anos de idade, ele decidiu que parará com o vício. Já são quase quatro semanas de abstinência. Ele conta que voltou de Santa Catarina disposto a retomar sua vida. “Virei mendigo, um trapo humano. Quando voltei de lá estava barbudo e banguela. Perdi minha dentadura depois de uma convulsão na rua”, revelou. A situação era tão desesperadora que um dia, de volta a Campo Mourão, viu a sogra com as meninas na rua. Envergonhado com sua aparência, teve vontade de se esconder. Mas a saudade das meninas era tanta que as abraçou. Hoje, ele está se recuperando no albergue de Campo Mourão. A esposa ele não mais conquistou – quem sabe um dia. Mas as duas filhas, de 7 e 6 anos, as vê todo domingo. Márcio descobriu que nem todo abismo é uma queda contínua. (DD)