quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

O duelo entre João e Sebastião


Dilmércio Daleffe

Coveiros sepultaram Sebastião - ao fundo - às 17h de ontem


Dia 24 de dezembro, 16h, véspera de Natal. Na rua Pará número 25, dois homens se encontraram em meio à rua para tirar suas diferenças. Empunhando revólveres, fizeram um duelo à moda antiga. Sebastião Pereira de Souza, 57, acertou quatro dos seis disparos no rosto de João Gonçalves, 51. Mesmo já ferido e, ainda ajoelhado, João efetuou apenas dois, acertando um dos tiros. Após o tiroteio, as diferenças de cada um deles caiu por terra, ou melhor, sobre a terra. Na rua cascalhada, na pequena Nova Cantú – 486 Km de Curitiba – no Paraná, o sangue escorrido sobre as pedras já dava o resultado do confronto: os dois morreram.

João e Sebastião morreram juntos, assim como viviam: os dois eram amigos. Se mataram ás vésperas do Natal e foram enterrados no dia do Natal, em covas simples e, distantes uma da outra. Acabaram sepultados no cemitério local, onde as diferenças definitivamente não existem e cuja entrada estampa os dizeres: “ Aqui somos todos iguais”.



O fim da história dos dois amigos teria começado a cerca de 30 dias. Viciados em baralho – tranca -, participaram de uma rotineira jogatina na cidade. Mas tiveram um sério desentendimento na contagem do jogo. Um não concordava com o outro. Assim, durante todos os dias decorrentes até a tarde de ontem, os colegas passaram a assistir xingamentos, juras de vingança, ameaças. A amizade entre João e Sebastião, definitivamente, havia terminado.

Os dois encontraram-se por volta das 15h30 de ontem. Estavam em um mercado. Um encontro casual, mas que originou uma ira fulminante. Sebastião teria ofendido João. O último não se calou. Sebastião disse que estava armado. João disse não estar. Pessoas da cidade disseram ter ouvido Sebastião dizer: “Não sou covarde. Vá pegar sua arma então”. Minutos depois disso, o duelo aconteceu no centro da cidade.

Então, por volta das 16h de ontem, os dois de confrontaram. Segurando um revólver calibre 38, Sebastião teria acertado primeiro. João estava com o seu velho chapéu de sempre e empunhava um revólver 32, mas o suficiente para tirar a vida do amigo. Ao todo foram oito disparos. Apenas três deles não os atingiram. Diferente da música “Faroeste Caboclo”, no momento não havia multidão, muito menos câmeras de TV. Apenas os dois amigos. E morreram juntos.

Sebastião era taxista e conhecido entre toda a pequena população de pouco mais de 8 mil habitantes. Era chamado por “Tião Seco”. Aos 57 anos, tinha o sangue quente nas veias, como informou o próprio sobrinho, Antônio Gonçalves Ferreira. Seu temperamento mostrava um homem com atitudes imediatistas e, vez em sempre, com um gênio difícil. “Ele era ruim”, disse um morador que preferiu não ser identificado.

Joâo morava no sítio, onde criava galinhas, alguns porcos e zelava de sua pequena lavoura. Vinha à cidade com frequência e, quase sempre, adentrava às rodas de baralho. Seu gênio também não era fácil. Contam alguns conhecidos que antes de chegar à cidade, lá pela década de 70, havia sido pistoleiro no Mato Grosso. Em comum, os dois acreditavam em Deus, eram casados e tinham três filhos cada um.


De acordo com a Polícia Militar, quando os policiais chegaram à cena do crime, os dois já estavam mortos. “Certamente a causa foi a desavença na mesa de baralho”, disse o cabo Araquém. De acordo com ele, o pequeno município mantém um histórico de duelos, embora não registre índices de violência. Há mais de 20 anos, foram pelo menos três duelos na cidade. Mesmo assim, em 2014, a polícia ainda não havia registrado nenhum caso de homicídio.

domingo, 5 de outubro de 2014

Usina Mourão
































Quando paixão e eleição se encontram


Dilmércio Daleffe

Eleição e amor se correlacionam? Se acha que não, veja esta história.



Colégio Santa Cruz, Campo Mourão, Paraná. Zona eleitoral 31, seção 53. Lá estavam Gean Carlo Scattu e Thaylla Sanches. Eles jamais haviam se visto. Mas naquele ano, 2008, os dois foram intimados a trabalhar como mesários nas eleições. Gean era apenas um mero suplente. Como não houve ausências, foi dispensado. Mas ali, naquele local, rolou uma troca de olhares entre ele e aquela moça, Thaylla. Só isso e nada mais.

O tempo passou e quatro anos depois, em 2012, novamente, eles foram intimados a trabalhar nas eleições. No mesmo lugar, mesma zona e seção, os dois se reencontraram. Lado a lado, atuaram como mesários o dia todo. Acompanharam os eleitores, reprimiram possíveis ilegalidades, instruíram os menos informados até chegar às 17 horas, quando a votação foi encerrada.

Mas nem tudo aquele dia foi chato. Além de seus papéis desempenhados com imensa cidadania, rolou um clima. Mais uma vez – lembra dos olhares de 2008? Só que agora, Gean e Thaylla trocaram telefones. A eleição terminou, Regina Dubay foi eleita, e dias depois, uma paixão brotou. Começaram a sair, apaixonaram-se e hoje, estão namorando. Quase dois anos depois, alianças de compromisso já foram trocadas. Juras de amor, planos, e tudo mais. Eleição e amor se correlacionam? Neste caso, certamente.

Prova disso aconteceu hoje. Gean acordou bem cedo. Passou na casa de Thaylla e, juntos, foram até o Colégio Santa Cruz. Lá, na seção 53, zona eleitoral 31, apresentaram-se e, mais uma vez, trabalharam unidos, pela cidadania e pelos corações. A afinidade do casal é tanta que mantém até os mesmos candidatos. “Quase sempre escolhemos os mesmos nomes pra votar”, revela Gean.

Hoje, ele está com 23 anos e é formado em gastronomia. Trabalha junto aos pais fazendo doces para eventos. Já Thaylla, com 24 anos, atua no mercado imobiliário de Campo Mourão. Segundo o casal, o amor é verdadeiro, e veio pra ser eterno. A única coisa que realmente não pode acontecer é a relação terminar em briga. Já imaginou como os dois ficariam lado a lado nas próximas eleições?

Mas o que se pode entender é que o destino é algo ainda incompreendido. Porque duas pessoas começam a se apaixonar em plena eleição? Quem as colocou ali? O que é pra ser, será. Não tem jeito. Já que não entendemos esses encontros, melhor ficar a pensar.    



quarta-feira, 24 de setembro de 2014

“Ivan, o Terrível”: um psicopata a menos entre nós



Ivan: a face do crime


Dilmércio Daleffe

O escorpião aproximou-se do sapo à beira do rio. Como não sabia nadar, pediu uma carona à outra margem. Desconfiado, o sapo respondeu: “Ora, escorpião, só se eu fosse tolo demais! Você é traiçoeiro, vai me picar, soltar seu veneno e eu vou morrer.” Mesmo assim o escorpião insistiu, com o argumento lógico de que se picasse o sapo ambos morreriam. Com promessas de que poderia ficar tranquilo, o sapo cedeu, acomodou o escorpião em suas costas e começou a nadar.

Ao fim da travessia, o escorpião cravou o seu ferrão mortal no sapo e saltou ileso em terra firme. Atingido pelo veneno e já, começando a afundar, o sapo desesperado quis saber o porquê de tamanha crueldade. E, friamente, o escorpião respondeu: “Porque essa é a minha natureza.”

O trecho extraído do livro “Mentes Perigosas”, de Ana Beatriz Barbosa Silva, reflete parte do mundo doentio de Raimundo Gregório da Silva, 56 anos, que ficou conhecido como “Ivan, o Terrível”. Esta semana ele foi condenado a 36 anos e seis meses de prisão por duplo homicídio qualificado e ocultação de cadáver. Isso porque, há cerca de sete anos, matou, queimou e ocultou os corpos de duas adolescentes. Parecido com filmes policiais americanos, a cena ocorreu em Campo Mourão, interior do Paraná. Em um bairro carente da periferia. Numa escola pública, onde Raimundo era o caseiro.

Amigo de todos os estudantes daquela instituição, “Ivan” – como foi apelidado – fazia o papel do caseiro boa gente. Sua missão era limpar e zelar da escola. Dava pitos aos mais bagunceiros e até conselhos aos que precisavam. E foi assim, com jeitinho, que aproximou-se das duas jovens Iara e Dmitria. A primeira desapareceu em 2010 e a segunda, em 2008. Pois bem, nenhuma delas jamais imaginou que estavam junto a um psicopata. Principalmente, porque para a maioria das pessoas, psicóticos têm cara de mau, são truculentos e com desvios comportamentais óbvios.

Mas não. “Ivan” que o diga. Sujeito franzino, baixinho, magro. Gente boa, conversador, amigo. Quando usava seus óculos então, tinha até cara de intelectual. Dava até dó. Quem seria capaz de dizer que faria o que fez? Mas segundo a escritora Ana Beatriz, sim, os psicopatas estão entre nós. São pessoas próximas demais que, de tão perigosas, fingem como atores consagrados de Hollywood.  

Após quatro anos preso, seu julgamento terminou perto das 23h da última terça-feira – dia 23 de setembro. Ivan afirmou ter matado as meninas a marretadas. Depois de matá-las, queimou os corpos e as cinzas, jogou na horta do colégio - quantas crianças não se alimentaram daquela horta?. Depois desenterrou algumas partes e colocou na fossa.

Dimitria Vieira, em 2008, era quase uma criança. Tinha 16 anos. Iara Pacheco, estava com 21 anos, em 2010. A polícia chegou até ele depois de encontrar roupas das meninas no forro da escola. As investigações chegaram a ser encerradas. É que Ivan enviava mensagens de um celular às famílias das vítimas, se passando pelas próprias meninas. Mas a polícia descobriu que o aparelho que enviava as mensagens estava na casa de Ivan. No aparelho também foram encontradas fotos das meninas nuas.

Mas se para o alívio das famílias das duas adolescentes a justiça foi feita, fica a constatação de uma realidade mais ameaçadora. Para a escritora e pesquisadora, o mais impactante é que a maioria esmagadora de pessoas com mentes perigosas está do lado de fora das grades, convivendo diariamente em sociedade. Transitam diariamente pelas ruas, cruzam nossos caminhos, frequentam as mesmas festas, dividem o mesmo teto e, ás vezes, dormem na mesma cama.

Uma vez na rede de um psicopata, as consequências são avassaladoras. Vidas arruinadas, sonhos destruídos, dramas psicológicos. Dor. Ivan, agora está preso. Terá uma longa jornada distante da sociedade. Mas enquanto isso, muitos outros continuam por aqui. E eles estão perto. Muito perto.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Médico nazista cruzou o caminho de Gurski




Com medo, Gurski preferiu não mostrar o rosto


Dilmércio Daleffe

Aos 51 anos de idade, Reinaldo Gurski é apenas um agricultor de Palmeira – 80 Km de Curitiba. Leva a vida ao lado da esposa produzindo hortaliças e verduras onde reside, numa vila rural. Sua simplicidade é visível já na voz. Estudou até a oitava série. Sem luxo, ou maiores requintes, é um exemplo clássico do verdadeiro paranaense. Mas quis o destino que tivesse seu caminho cruzado a um personagem amaldiçoado pela história. Sim, segundo ele ainda em 1986, por consequências de seu passado, conheceu Josef Mengele, o carrasco médico nazista companheiro de Adolf Hitler. A experiência por ele vivida foi detalhada e, aqui, será narrada pela primeira vez.

Março de 1985, município de Palmeira, Paraná. Gurski casou-se e decidiu arrendar cerca de 40 alqueires de terra. Sempre da roça, cresceu na inocência de um tempo sem maldades. Com a soja plantada, veio a chuva de granizo e depois a estiagem. Perdeu a colheita, entrou em dívidas e acabou fugindo dos credores. Deixou a esposa em Palmeira para tentar renda no Paraguai. Então, no mesmo ano, dirigiu-se a Mandaí, do outro lado da fronteira. Lá, soube que em um silo havia emprego. Foi recepcionado por um jovem loiro de 30 anos, olhos escandalosamente azuis e uma raiva fulminante.  “Você é judeu. Vá embora daqui agora. Não gostamos de judeus”, gritou. Gurski, aos 24 anos, sem saber o que acontecia, sumiu com medo daquele homem furioso.

Precisando de dinheiro e agora, sem saber o que fazer, Gurski voltou a Presidente Strossner – hoje Cidade de Leste, no Paraguai. Lá, sob uma sombra, estava a pensar e refletir. Então conheceu um casal de gaúchos que o informaram sobre uma tal Gleba 8. Lá tinha emprego. Horas mais tarde adentrou ao ônibus e rumou a localidade. No interior paraguaio, além do mato, a Gleba 8 se resumia apenas num bar, numa pensão e numa igreja. Com a promessa de trabalho, Gurski instalou-se na pensão e depois, foi até o bar. Lá, observou certa apreensão nas pessoas. Todos saíram, deixando-o apenas com a atendente, uma menina de 14 anos. Pediu um conhaque e a garota, tremendo, o serviu. Ele não entendia o que acontecia, mas sentia que não era bom.

Então, enquanto tomava a bebida, escutou ao fundo do boteco um barulho de revólver – uma espécie de disparo sem balas. Foi quando puxou o pescoço de lado e observou a figura de um velho, olhos azuis, gordo, cabelos grisalhos e com a arma em mãos. Por um instante, os dois se olharam e, naquela fração de segundos, Gurski disse ter visto a morte naquele olhar. O medo tomou conta. Virou o conhaque, pagou a menina e desapareceu. Entocado na pensão, recebeu a notícia de que aquele velho queria lhe falar. Receoso, topou o encontro.

No interior do bar, Gurski foi recebido. Sentou-se em frente ao velho e lá, tiveram uma conversa de quase duas horas. O agricultor, até então, não entendia o porquê daquela prosa. Mas logo o senhor gordo revelou o motivo. Pediu desculpas porque havia matado um primo dele na cidade de Pitanga, na região central do Paraná. Preocupado, o velho achou que o judeu paranaense havia chegado à localidade para algum tipo de vingança. Mas não. Ele não tinha parente nenhum morto em Pitanga. Mesmo assim, o perdoou para encerrar aquele diálogo. Num resumo geral, aquela conversa era um festival de equívocos. E o pior de tudo. Aquele velho, segundo Gurski, era Josef Mengele. Mas imagine um homem vindo da roça, sem estudo e sem informação. Ele não sabia quem era o tal Mengele. Não sabia de nada. Queria apenas trabalho.

Gurski teve medo de ser morto pelo alemão


Conversa vai, conversa vem, senta-se a eles uma moça de aproximadamente 26 anos de idade. Dizia ser filha do velho e, em seguida, iniciou a apresentação de seu pai. “Meu pai é Josef Mengele, o médico alemão da Segunda Guerra Mundial. Participou ao lado de Hitler da melhora da raça ariana”, revelou. Gurski nem imaginava quem eram Mengele e Hitler. Mas foi escutando a conversa. Num determinado momento, o velho tirou o paletó. Depois retirou as mangas da camisa. Para sua surpresa, era um disfarce. O homem era magro, mas colocava enxertos de tecidos sob a roupa. Mais adiante retirou uma máscara. “Eu fiquei perplexo com o que vi. Não entendia porque ele estava se escondendo. Não sabia de nada”, disse Gurski. E foi neste momento em que Gurski, vendo o homem retirar a máscara, brincou e perguntou se ele era um palhaço. “Ele não gostou e apontou a arma pra mim”, disse.

Os relatos do agricultor também mencionam as ações do suposto Mengele durante a Segunda Guerra. Segundo ele, o alemão narrou parte das experiências humanas realizadas em campos de concentração. “Lembro que ele disse ter contribuído para a medicina durante a guerra. E não ao contrário”, afirmou. Depois do encontro, os dois não se viram mais. Gurski conseguiu emprego e trabalhava muito. Mas ele foi embora em 87. A partir daí não teria mais visto aquele alemão.

Volta ao Brasil e o reencontro com o nazista


Ao chegar novamente ao Brasil, buscou informações e soube, finalmente, quem foi Mengele, Hitler e os atos que os amaldiçoaram. Foi um choque. Ainda mais para um homem inocente da roça. Em Palmeira, ficou ao lado da esposa e com ela teve dois filhos. Enquanto isso trabalhou para uma madeireira, na qual foi motorista de caminhão.

Setembro de 1990. Gurski foi ordenado a levar o caminhão até Bateias, próximo a Curitiba. Lá, pegaria calcário em uma empresa. Enquanto aguardava o carregamento, um homem o chamou dizendo que uma ambulância estava parada na rodovia. Em seu interior, seu pai. Ele estaria doente, à beira da morte. Então, Gurski, apavorado, desceu a pé a estrada e viu a ambulância. Mas para seu espanto, não encontrou o pai e sim, o mesmo velho alemão de quatro anos antes. Segundo ele, o velho teria perguntado se o reconhecia. Sua resposta: “Você é o palhaço do Paraguai”. Então, o suposto Mengele, bastante doente, o convidou para seguir viagem ao seu lado. Gurski recusou. Disse que sabia das atrocidades que ele havia cometido no passado.  “Além de recusar ainda briguei com ele. Jamais entraria naquele carro”, afirmou Gurski.

A conversa não passou de alguns minutos. Gurski diz lembrar que a aparência daquele homem era muito doentia. “Ele estava no final da vida. Dava pra ver. Muito velho. E pelo que reparei, estava fugindo da polícia”, disse. “Tanto é que me mostrou um pouco de veneno que carregava com ele. Disse que ninguém o pegaria”. Gurski deu as costas e subiu a pé até onde estava seu caminhão. Notou então que a ambulância – segundo ele da prefeitura de uma cidade da região oeste do estado do Pr – não seguiu pela estrada de asfalto. Foi em direção a Balsa Nova, por um caminho de terra.

Assim que o caminhão foi carregado, Gurski pegou a estrada para voltar a Palmeira. Mas foi logo abordado por uma viatura da Polícia Federal. Eles queriam saber onde estava o nazista. “Não sei como sabiam, mas tinham meu nome e tinham a informação que o alemão havia passado por ali. Foi então que revistaram o caminhão”, disse.  Durante a revista os policiais perguntaram se ele teria visto o suposto Mengele. E ele confirmou. Questionaram então do porque não teria avisado a polícia. “Falei pra eles que se tivesse feito isso iriam rir de mim. Quem iria acreditar numa história dessa”, argumentou. Gurski ainda informou que o velho estava numa ambulância, e não muito longe dali. Os policiais disseram que haviam interceptado a ambulância. Mas que não era Mengele. “Eles não sabiam, mas era o nazista. Estava disfarçado”.

Dias depois, motivado pela curiosidade, o agricultor se dirigiu até a estrada de Balsa Nova. Ali, soube que na comunidade conhecida como Tamanduá, algumas pessoas teriam visto uma ambulância despejar algo no cemitério local. “Um túmulo ali está sem identificação até hoje. Acredito que Mengele esteja enterrado entre aqueles tijolos”, afirma.


Túmulo onde Gurski supõe estar os ossos de Mengele



Gurski sabe dos levantamentos realizados em Embu, São Paulo, onde dizem ter encontrado os ossos do nazista na década de 90. Mas ele não acredita nisso. Para ele, o “Anjo da Morte” – como ficou conhecido – está enterrado no Paraná. Com medo da repercussão que a história terá, Gurski não quis mostrar o rosto. Ele tem medo de possíveis retaliações. “Ainda existem nazistas no Paraná. Familiares de Mengele moram aqui até hoje”, disse.


“Se eu não acreditasse em Deus, estaria morto. Mengele atirou três vezes em mim naquele bar da Gleba 8. Só que a arma enroscou. E, na ambulância, na estrada para Bateias, o filho dele me revistou para ver se eu não carregava arma. Eu disse que não precisava disso. Mengele olhou para mim e disse: ‘Deus cuida dele’”. 

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Reféns do medo



Dilmércio Daleffe

Elas só queriam retornar do Paraguai com suas compras. Tudo indicava ser um dia feliz. Duas irmãs, o filho de uma delas e a babá. Mas a volta, já à noite, transformou-se em agonia. As quatro pessoas de Campo Mourão acabaram sequestradas. Uma quadrilha fechou o carro na rodovia. Armados com pistolas, bandidos tomaram o veículo e mantiveram a família em cárcere privado. Com medo e receosas de retaliações, elas não permitiram ter os nomes revelados. Mas contaram o drama a que foram submetidas.

O caso aconteceu há alguns dias, quando duas irmãs, de 33 e 36 anos – de família tradicional de Campo Mourão – retornavam à noite de Salto del Guairá, no Paraguai. Juntas, elas também levaram o filho de três anos da irmã mais velha e a babá. Foi um dia tranquilo, distante da rotineira labuta do dia a dia. Longe dos problemas e mesmices da cidade. Fizeram compras, riram, se descontraíram.

O problema é que se atrasaram ao sair do país vizinho. Quando atravessaram a fronteira, já no Brasil, estava noite. E foi aí que bandidos aproveitaram. Alguns quilômetros à frente de Guaíra, tiveram seu veículo – grande e importado – fechado por um carro. Quatro elementos mostravam armas em punho, o que intimidou a motorista. Ao parar no acostamento, receberam voz de assalto. Dois bandidos tomaram a direção, enquanto outros dois levaram a família.

Reféns da quadrilha, a família foi levada a um bairro de Guaíra, onde permaneceu dentro do carro dos ladrões, no quintal de uma casa. As irmãs não viram nada, uma vez que as janelas e vidros do veículo estavam cobertas por tecidos. Os assaltantes também não revelaram seus rostos. Haviam colocado lenços sobre a boca, como nos filmes de faroeste. Tudo foi devidamente planejado. Elas ficariam reféns até o veículo delas estar do outro lado da fronteira.

“Os bandidos nos tranquilizaram. Apesar do nosso medo, eles diziam que tinham família, e que nada ia acontecer com a gente”, revelou uma das irmãs, que, por motivos óbvios, como já relatados, não quis ser identificada. Então, uma hora mais tarde, os meliantes soltaram a família em um bairro de Guaíra. Elas pediram socorro em uma casa e chamaram a polícia.

Para a surpresa das irmãs, a Polícia Federal também estava à procura delas. É que o plano da quadrilha deu errado. O veículo foi parado na fronteira. O bandido não soube explicar a procedência do carro e acabou preso. Ele também confessou o sequestro das mourãoenses, o que fez com que a polícia iniciasse buscas na cidade. Uma vez salvas, elas voltaram para Campo Mourão com o veículo. E o melhor: sem arranhões e sem nenhum tipo de violência.

De acordo com informações, nos últimos meses inúmeros casos de assaltos como este vem sendo cometidos em estradas próximas a Guaíra. O alvo é sempre o mesmo: carros grandes e camionetes, sempre importadas. A ação ocorre à noite. O melhor a fazer é evitar a viagem no período noturno. Desta vez, as vítimas nada sofreram. Da próxima, ninguém sabe.  


domingo, 10 de agosto de 2014

Dilmar Daleffe em primeira pessoa


Dilmar Daleffe em primeira pessoa

Dilmércio Daleffe




Por anos, procurei belos personagens que figurassem meu jornalismo. Buscava boas histórias, exemplos de vida, heróis. Mas o que procurava, sempre esteve ao meu lado. O maior personagem de minhas histórias era meu pai. Eu já sabia disso. Mas por uma questão ética, não podia me levar pela paixão, não podia exemplificar o “Magrão” – como eu o chamava - em minhas porcas linhas de jornal. Mas agora, sem pudores, ou sem medo de infringir a ética, tenho que relatar quem foi Dilmar Daleffe, quem foi meu pai.

Dilmar nasceu pobre, em 46, de uma família italiana nos fundões de Urussanga, em Santa Catarina. A família veio a Campo Mourão já nos anos 50. Responsáveis, começaram uma empresa de ônibus – Real – e mais adiante, iniciaram a Auto Peças Cometa. Dilmar era o mais novo dos irmãos homens. Certa vez, emocionado, ele me contou sobre sua infância difícil. Ele pedia que valorizasse o dinheiro, já que quando criança, passou por grandes dificuldades. “Eu só escrevia a lápis. Porque quando chegava o final de ano, meu pai fazia apagar todo o caderno para que o usasse novamente no ano seguinte”, disse.  

Aos 14 anos de idade, foi influenciado por amigos e, então, o cigarro apareceu em sua vida. Os anos passaram e com a sociedade entre os irmãos, Dilmar ficou a frente da Dipar. Sempre gostou de trabalhar. E se dedicava por isso. Sua liderança era visível. Casou na década de 60 com Maura e teve quatro filhos – Delcimara, Denilson, Denise e eu. Com uma relação conturbada, a separação veio em 83. Foram anos difíceis pra todo mundo. Mas a vida seguia. E junto a ela, o cigarro e as eternas dores no estômago. Definitivamente, meu pai não conseguia largar o vício da nicotina tóxica das carteiras de cigarro. Foram milhares deles durante a vida. Pelas contas, 52 anos fumando sem parar – cerca de 748.800 cigarros.

Na década de 80, “Magrão”, reuniu-se com outras pessoas da cidade para dar um novo direcionamento a Saúde pública municipal. Ele queria mais dignidade à sua população, mesmo não sendo médico, prefeito, ou qualquer outra coisa. Aliás, desculpe, ele era apenas um cidadão. Acolheu Campo Mourão com tanto carinho, que passou a ser um desbravador de ideias e, mais que isso, de ações. Ele sentia que deveria fazer sua parte colaborando com a saúde da cidade. Aliás, poucas pessoas sabem, mas seu sonho sempre foi ser médico. Mas os recursos da família não colaboraram para que isso acontecesse.

Idealista convicto foi à luta. Junto aos seus amigos, conseguiu a doação do terreno onde é hoje a Santa Casa. Depois disso, foi de casa em casa arrecadando tijolos, cimento, pedra, areia. Tudo servia. Era o primeiro passo para a construção do Hospital Santa Casa. Em 89 fincou em seu solo a pedra fundamental. Nunca mais parou. A partir daí, meu pai dedicou mais 15 anos de sua vida àquela instituição. O valor que dou a ele é, sobretudo, ao trabalho VOLUNTÁRIO. Foram mais de 20 anos com dedicação absolutamente voluntária. Mas o que move alguém a trabalhar apenas por ideais nos dias de hoje?

No caso de Dilmar, isso era do seu espírito, da sua alma, dele mesmo. Era um cidadão. Um guerreiro de sua própria comunidade, de sua própria causa. Certa vez, decidiu sair a vereador. Já havia falado aos quatro ventos que seria um vereador sem salário e que ainda, lutaria para que os demais edis abrissem mão do dinheiro. Ele sempre acreditou que vereador não é profissão e, por esta única razão, não deveriam receber por isso. Mas acreditem: um dos candidatos impugnou sua candidatura. Nem me lembro mais como isso aconteceu. Mas por certo, aquilo não era pra ele. Acredito que também revolucionaria a Câmara.  

Essa luta de Dilmar, pela construção da Santa Casa, o tornou diferente dos demais humanos desta cidade. Não que ele tenha sido um “alienígena”, um ser com poderes sobrenaturais. Não mesmo. Mas junto a outras poucas pessoas, como os médicos Oswaldo Mauro e Laércio Daleffe, Lenilda de Assis, João Teodoro, trabalhou apenas pelo bem da sociedade. O dinheiro, não era nada perto do que aquele sonho representava. Eles queriam apenas o bem da comunidade. Diferentemente de hoje. Infelizmente, o dinheiro domina tudo. Quem tomará o lugar de Dilmar?

Durante os últimos meses, ele abriu-se poucas vezes. Numa delas, falou sobre a maior tristeza de sua vida: a saída da Santa Casa. Disse ter saído pela porta dos fundos, principalmente, diante das articulações políticas movidas por interesses escusos. Mesmo tendo feito tudo que fez, foi tratado como bandido. Nós sabemos quem foram os responsáveis pelo movimento. O mais engraçado é que todos eles, absolutamente todos, estão envolvidos em falcatruas, respondendo a processos da justiça. Pergunto agora: quem são os bandidos? Porque fizeram Dilmar deixar sua obra? O que ganharam com isso?

MUDANÇA ÀS PRESSAS

É preciso dizer que enquanto Dilmar era o presidente da Santa Casa, conseguiu unir médicos, enfermeiros, administradores, zeladores. Todos em torno daquele sonho. Ele mesmo ia até a recepção e ajudava a atender os doentes. Muitas são as histórias de pessoas ajudadas por ele. Mas um episódio tem que ser relatado. Não sei o ano, mas ainda quando a instituição estava no antigo Anchieta, uma chuva abundante inundou o hospital. A água era tanta que rachaduras começaram a surgir. Um engenheiro da prefeitura foi chamado e disse que o prédio podia ruir. Então, Dilmar começou a gritaria. Acionou funcionários e médicos com carro. Eles levaram os pacientes. Carroceiros foram chamados para levar a mobília. Tudo aconteceu em duas horas, sob chuva, goteiras, pressão e muita emoção. O hospital foi instalado provisoriamente no Hospital São José e lá ficou até ser inaugurado em 2002, onde está até hoje.

Meu pai era um cara especial, movido por belas ações. Não sabia dizer não. Vendedores passavam pela Dipar e sabiam que ali, o alvo era fácil. E ele comprava de tudo, mesmo não precisando de nada, somente para ajudar. Adquiria cabos de vassoura, rapadura, queijos caseiros, salgadinhos, sabão. Ajudava mendigos, campanhas absurdas, ação entre amigos. Tudo para ajudar. Até mesmo no jogo do bicho, quando ganhava, repartia com os funcionários. “Magrão”, também orava e agradecia por sua equipe da Dipar. O líder, Carlão, era pra ele uma espécie de filho mais velho. Está na empresa há 40 anos e Marlene uma filha mais velha.

ATROPELAMENTO

A primeira boa ação que presenciei de meu pai foi em dezembro de 1980. Era véspera de Natal e a Dipar estava aberta à noite. Estávamos dentro da loja – ainda na Capitão Índio Bandeira – quando escutamos uma freada seguida de um estrondo. Uma criança havia sido atropelada. Dilmar pulou o balcão e sem pensar pegou o corpo, colocou no banco de trás de seu Gálax e sumiu até Maringá. Apenas 30 minutos salvaram a criança. Esta história, apesar de heroica, não era contada por ele. Permaneceu apenas com ele. A família do menino atropelado sempre o visitou em vésperas de Natal, como forma de agradecimento. O herói preferiu o anonimato.

Meu pai sempre foi um menino. Apesar de suas responsabilidades agia como um eterno adolescente. Contava piadas sem graça – e ele sabia disso -, fazia pegadinhas – do tipo colocar um cigarro explosivo na carteira dos outros -, ironizava situações com amigos e familiares – chamava o genro de veado. Ele adorava rir. Depois de um casamento terminado, ele conheceu Sandra e com ela terminou seus dias. Danilo é o nosso menino caçula, o irmão de 17 anos, que agora vamos nos dedicar.

Mas a história de Dilmar também é marcada por contradições. Imagine idealizar um hospital, construí-lo para a comunidade, e, ao mesmo tempo, esquecer-se de sua própria saúde. Foi isso o que aconteceu. Teimoso e com medo de buscar exames – possivelmente que o obrigassem a largar o cigarro – meu pai jamais havia feito uma simples endoscopia. Quando fez, agora em janeiro, já era tarde demais. Tivesse feito cinco anos antes, ele estaria aqui ainda.

O passado de um homem pode ser esquecido. Principalmente, se ele não fez nada por sua comunidade. A maioria das pessoas passará em branco. Eu, certamente, não serei sombra de meu pai. Mas a história do “Magrão” continuará. Ele fez sua parte. Plantou uma semente. Tudo voluntariamente. Valores assim poderiam continuar. Mas ninguém tem a coragem de levantar a bandeira. O dinheiro é mais forte. Por isso a corrupção, por isso as falcatruas, a falta de caráter, desvios de conduta.  

Também não posso ver meu pai sem a figura maldita do cigarro. Ele praticamente nasceu segurando a sua cruz. Foram as substâncias tóxicas do “Carlton” que tiraram sua vida precocemente. O cigarro causou sua dor, proporcionou um câncer, uma cama de hospital, tirou sua vida. Ele sabia disso, mas jamais conseguiu se livrar da maldição. Disse uma vez pra mim: “Quem fuma, foi amaldiçoado”.  Quantos mais serão amaldiçoados? Quantas camas de hospital teremos que enfrentar?

Pai, saiba que onde tiver, perpetuaremos sua história. Graças a Deus podemos sentir orgulho de você. Quantos filhos podem ter orgulho de seus pais? Nós temos motivos de sobra. Me ensinou muito. Peço desculpas pelos erros que cometi. Me redimo de muitos episódios e vejo que não sou nada perto de você. Talvez algum dia, vire até nome de rua. Pode ser, não pode? Não sei se gostaria. Mas ainda é pouco perto do que fez. Mas daqui onde estou, vou mandar aquele recado que sempre me disse: Campo Mourão não merece ter gente sem caráter e sem atitude pra liderá-la – em todas as áreas. Pra fazer a cidade melhorar e crescer, exige-se ser, primeiro, um cidadão. Tem que ter atitude, olhar e corrigir os problemas e cuidar mais dos outros do que a si próprio.


Pai, em breve nos reencontraremos e daremos risada de tudo que passou aqui em baixo!!! Sei que queria agradecer muita gente que te ajudou. Faremos isso por ti. Dilmar viveu intensamente 67 anos. No dia 27 de janeiro deste ano, descobriu o tumor. Uma doença cruel e maldita que não permitiu que a enfrentássemos. Nos últimos 8 meses, acompanhei seus dramas, camas e tubos de hospitais. Foram horas, dias de sofrimento. Uma angústia desumana que acabou as 4 horas da manhã do dia 09 de agosto com um recado no celular. Um telefonema previsto. A hora havia chegado. Aquele sábado amanheceu nublado. O céu cinza anunciava algo diferente. Mas se assim tinha que ser, foi. Mas agora você descansou e está em paz. Aqui, nada mudará. 

terça-feira, 15 de julho de 2014

Massacre a estudantes foi escondido por 25 anos



Carlos, ao lado do obelisco: história e moedas
 Massacre a estudantes foi abafado por 25 anos

Praça das Três Culturas, Cidade do México, 02 de outubro de 1968. Neste dia, ao por do sol, mais de mil pessoas – a maioria estudantes – foram executadas por tropas do exército. Morreram com armas de guerra porque protestavam pacificamente ao lado da Igreja Santiago Tlatelolco. Aos gritos de “Libertad México”, a manifestação foi considerada uma afronta ao presidente da época Gustavo Diaz Ordaz Bolaños. As tropas, covardemente, aguardaram o calar do sol. Depois, posisionaram-se estratégicamente em janelas de edifícios locais. Ao comando de Bolaños, um  helicóptero emite o sinal com luzes. Era o momento de abrir fogo e condenar os manifestantes.
Com a praça cercada, caminhões do exército fizaram a coleta dos corpos. Em seguida, jatos d´água limparam o local. Ao amanhecer, tudo estava limpo, seco, quieto, como se nada tivesse acontecido. Todo o sangue derramado, agora repousava escondido sob o solo. Sem internet, naquela época, as notícias não se espalhavam. Pra piorar, os meios de comunicação estavam sob uma ditadura impiedosa. O medo era maior. Jornalistas eram mortos. Até hoje – 47 anos depois - os corpos não foram localizados. Por isso a imprecisão em quantificar o número exato de mortos. A história do massacre da “Praça de Tlatelolco” veio a público apenas em 1993. Durante 25 anos, o caso foi escondido pelo governo mexicano. Hoje, um obelisco repousa em meio a praça com o nome de alguns estudantes mortos. Quem conta a história é Carlos, um andarilho que vive de moedas sob o monumento.
Segundo ele, em 1968, manifestações ocorriam em vários países. No Brasil não era diferente, a ditadura imperava, e muita gente era executada. No caso do México, a execução em massa ocorreu dez dias antes do início dos Jogos Olímpicos, disputados nesta mesma cidade. O crime foi precedido por vários meses de instabilidade política na capital mexicana. Os estudantes pretendiam explorar a atenção do mundo, focada na Cidade do México por ocasião dos Jogos Olímpicos de 1968. No entanto, o presidente Gustavo Bolaños estava determinado a pôr fim aos protestos estudantis.

Carlos mora na praça e vive da história do massacre


Em Setembro, o presidente ordenou ao exército que ocupasse o campus da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), a maior da América Latina. Os estudantes foram espancados e detidos de forma indiscriminada. Então, os protestos estudantis não esmoreceram. As manifestações aumentaram de proporção até que, no dia 2 de Outubro, e após greves estudantis que se prolongaram por nove semanas, 15 mil estudantes de várias universidades invadiram as ruas da Cidade do México, ostentando cravos vermelhos como sinal de protesto contra a ocupação militar da UNAM.
Ao cair da noite, cerca de 5 mil estudantes e trabalhadores, muitos deles acompanhados das mulheres e filhos, haviam se concentrado no exterior de um bloco de apartamentos situado na Plaza de las Tres Culturas em Tlatelolco para o que deveria ser uma manifestação pacífica. Por entre os cânticos entoados ouviam-se as palavras México - Libertad (México - Liberdade). Os organizadores do protesto tentaram em vão que este fosse cancelado quando se aperceberam do aumento da presença militar na zona.



Igreja, junto a praça, mantém buracos de tiros


O massacre teve início ao pôr-do-sol quando forças do exército e da polícia - equipadas com carros blindados e tanques - cercaram a praça e começaram a abrir fogo contra a multidão, atingindo não só os manifestantes, mas também pessoas que se encontravm no local por razões em nada relacionadas com a manifestação. Manifestantes e transeuntes, incluindo crianças, foram apanhados pelos disparos e em pouco tempo os corpos amontoavam-se na praça. A matança continuou noite adentro, com os soldados a efetuar operações de busca casa a casa nos edifícios de apartamentos junto à praça. Testemunhas destes acontecimentos afirmam ter visto mais tarde os corpos serem recolhidos por caminhões do lixo. Na explicação oficial dada pelo governo para o que acontecera, afirma-se que provocadores armados misturados entre os manifestantes, colocados nos edifícios adjacentes à praça tinham iniciado o confronto. Encontrando-se debaixo de fogo as tropas teriam disparado em auto-defesa.
Em Outubro de 1997 o congresso mexicano criou uma comissão para investigar os fatos ocorridos durante o massacre de Tlatelolco. Esta comissão entrevistou muitos dos intervenientes políticos envolvidos no massacre, incluindo o ex presidente da república Luis Echeveria Alvarez, ministro do interior no governo de Díaz Ordaz em 1968. Ele admitiu que os estudantes estavam desarmados e sugeriu que a ação militar havia sido planejada com o objetivo de destruir o movimento estudantil.
Em Outubro de 2003 surgiram informações sobre o papel do governo dos Estados Unidos no massacre após a publicação feita pelo National Security Archive, da George Washington University, de uma série de documentos da CIA, Pentágono, Departamento de Estado, FBI e da Casa Branca. Esta publicação surgiu na sequência de solicitações efetuadas ao abrigo do Freedom of Information Act. No entanto, estes documentos não apontam para qualquer envolvimento dos Estados Unidos no massacre, mostrando apenas a preocupação do país com a segurança durante os jogos olímpicos.
Em Junho de 2006, Echeverría foi acusado de genocídio em relação ao massacre. Foi colocado em prisão domiciliar, aguardando julgamento. Em Julho do mesmo ano foi ilibado da acusação de genocídio, uma vez que o juiz decidiu que ele não poderia ser julgado, de acordo com a lei mexicana de prescrição processual.
A Praça da Morte

Jesus de Guadalupe. Ao fundo, resquícios astecas



De acordo com o estudioso Jesus de Guadalupe, a Praça das 3 Culturas, também pode ser chamada de Praça da Morte. Ele identificou uma série de semelhanças no tempo que remetem ao local o cheiro de sangue. Cronologicamente, ele sobrepõe a imagem o templo asteca encontrado sob a terra, junto a praça. Ali, a cerca de mil anos, antecendentes mexicanos utilizavam a estrutura para sacrifícios humanos. E não eram poucos. Depois disso, o acontecimento do massacre de inúmeros estudantes. Por último, Jesus descreve o terremoto de 1985 como mais um fato para descrever a Praça da Morte. Segundo ele, com o tremor, prédios inteiros que ali estavam, vieram a baixo, matando milhares de pessoas. “Não consigo ver este lugar sem o relacionar a morte. Algo aqui está errado”, diz.

domingo, 16 de março de 2014

Inocente, Casarin foi julgado, condenado e sentenciado



Com o nome no lixo, e a honra no esgoto

A vida de Irineu Casarin definitivamente transformou-se num caos. Sem dever nada a ninguém, teve o nome sujo perante a lei. Em sua identidade surgiram diversos crimes, a começar por assalto a mão armada, chegando até a receptação. Sim, ele foi enganado. Inocente, teve seus documentos falsificados por uma organização criminosa atuante em todo o Paraná. De pintor de carros, “virou bandido da pesada”. Isso na teoria. Na prática, continua atuando como funileiro, mas em Londres, na Inglaterra. Afugentado, com medo de ser preso por algo que jamais cometeu, perdeu a coragem de ir e vir. O temor fez com que não viesse nem mesmo ao enterro do irmão, Iderlando, morto no ano passado. Casarin perdeu o nome, teve sua honra jogada na lama. Mas e agora? 


Irineu e a esposa Cacilda




Dilmércio Daleffe

União da Vitória, dezembro de 2000. Um homem identificado como Irineu Casarin, portando documento de identidade número 1.486.991-3, é detido e levado à delegacia de polícia local. Era procurado por dois crimes - assalto e formação de quadrilha. Tratava-se de um nome conhecido em meio aos corredores da lei, embora, ainda tivesse um rosto não identificado. Naquele momento, uma trama começava a ser desvendada. Mal sabia a Polícia que, na verdade, não se tratava de Irineu Casarin. O homem preso era Ari Gonçalves dos Santos, membro de uma organização criminosa e responsável por falsificar a identidade de Casarin. Mantinha em seu curriculum uma extensa ficha criminal em todo o estado do Paraná. Seus crimes ocorreram em Goioerê, União da Vitória, Assis Chateaubriand, além de Guarapuava. Mas então, se Ari foi revelado, onde anda e quem é Irineu Casarin?

Irineu Casarin é um sujeito criado e crescido em Campo Mourão. De família humilde, sempre deu duro como pintor automotivo. Afinal, mulher e dois filhos não é brincadeira. Nunca foi rico e também não foi por isso que precisou roubar ou matar. Pelo contrário. Jamais cometeu qualquer espécie de crime. Como a maioria dos brasileiros, seu maior pecado foi trabalhar demais e não conseguir elevar a renda da família. Ou seja, seu “crime” foi ter nascido no Brasil. Hoje, aos 57 anos, Irineu vive longe do país, afugentado, com medo de ser preso por algo que, definitivamente, não cometeu. Irineu é tão somente uma vítima. Foi do céu ao inferno em segundos. E, agora, paga o preço sem dever nada a ninguém.

Seu drama começou em setembro de 1998, enquanto jogava uma partida de futebol no Country Clube de Campo Mourão. Após o término da pelada, retornou aos vestiários quando percebeu que sua carteira havia sido roubada. Desesperado, foi até a delegacia e prestou queixa, indicando ter perdido todos os seus documentos. Segundo ele, naquela época, o escrivão ainda emitia o boletim de ocorrência numa máquina de escrever, cujo carbono, permanecia entre duas folhas de papel. “Eu perdi minha via. Fui até a delegacia e eles informaram que também não mantinham mais documentos daquele ano”, disse Casarin.  

Semanas depois fez novos documentos. Então a vida seguiu até decidir com a esposa, Cacilda, deixar o país para tentar uma vida melhor na Inglaterra. Em setembro de 2002, mudou para Londres. Lá, passou a fazer o que sempre fez no Paraná: pintar carros. Um dia, amigos o informaram que seu nome estava na internet. Diziam que era procurado da polícia brasileira por vários crimes. Então buscou informações sobre o que estava acontecendo. Para sua tristeza, o episódio do roubo da carteira, em 98, encaixou-se no quebra-cabeças, agora, de 2002. Irineu perdeu seus documentos para uma quadrilha, que passou a utilizar seu nome nos mais variados crimes por onde atuou. Seu nome foi ao espaço, para o lixo, assim como sua paz e tranquilidade.

Irinei, uma das netas e a esposa Cacilda


Com nome sujo e ainda procurado pela polícia, a vida de Irineu transformou-se num caos. Até hoje, anda como rato na escuridão, pelas beiradas. Seu drama chegou num ponto que nem mesmo no velório do irmão Iderlando, morto em agosto de 2013, em Campo Mourão, pode estar presente. Irineu foi julgado e condenado sem jamais ter podido se defender. “Como é que voltarei se posso ir preso. Nunca fiz mal pra ninguém. Se não me cuidar acabarei preso por anos até que a justiça apareça”, afirmou.
Casarin vive em Londres há 11 anos. Recentemente foi vítima de um derrame cerebral, deixando-o com algumas sequelas. Atualmente está afastado do trabalho. Mesmo assim, disse ter juntado uma certa quantia para recomeçar sua vida em Campo Mourão. “Quero voltar pro meu país e retomar a vida. Mas como voltarei se posso ir preso”? questiona. Pai, avô por seis vezes e ainda, corintiano, Irineu se apega a Deus torcendo para que o fim de toda esta história tenha um final feliz. E pelo que tudo indica, terá.

Advogado consegue reviravolta no caso

De acordo com o advogado Washington Fragoso Veras, o homem que, ao lado de uma organização criminosa, utilizava o nome de Irineu em crimes, hoje está preso e condenado na penitenciária de Piraquara, 
no Paraná. Após uma intensa investigação pessoal, o advogado encontrou Ari Gonçalves dos Santos. Para provar que não se tratava de Irineu, pediu provas de suas digitais e, numa audiência em Curitiba, escutou a confissão de Ari. Ali, frente a frente com juiz e promotor, o condenado confirmou ter recebido a identidade de um sujeito chamado Adilson, e, posteriormente, falsificou o documento. Acabou envolvendo o nome de Irineu em crimes como roubo, assalto a mão armada, receptação e formação de quadrilha. Sem medo, temor, ou arrependimento, despejou o nome de outra pessoa ao vento.

Para Fragoso Veras, Irineu foi julgado e condenado injustamente. “Houve um grande erro. É um absurdo. 
Uma falha do sistema prisional do Paraná. Não investigaram nem mesmo suas digitais”, observou. Segundo ele, a justiça já revogou o nome de Irineu em alguns processos. No entanto, ainda existem resquícios que unem seu nome a ações criminais ou a apenas inquéritos. “Ainda a situação não está totalmente resolvida”, disse. Mesmo assim, o advogado garante que Irineu pode retornar ao Brasil sem ser detido. “Neste momento, não existe nada mais que o leve preso”, afirma.

Quadrilha atuava em todo Paraná

Segundo informações, Ari participava de uma quadrilha com intensa movimentação no estado. Mas também atuava na região de Campo Mourão. Tanto é que o tal Adilson, citado por ele como o responsável pela entrega da identidade de Irineu, seria um mourãoense, membro da organização. Antes de ser preso, em União da Vitória, em 2000, a quadrilha realizou um roubo a uma loja naquela cidade. A ação não deu certo. Um cerco da polícia resultou em troca de tiros e um membro – José Adilson do Nascimento, conhecido como Dico da Jurema - acabou morto próximo a Guarapuava. Tal elemento pode ser o “Adilson” descrito anteriormente. Depois disso, Ari Gonçalves dos Santos – fichado como Irineu Casarin -, Ricardo Aparecido da Silva e Ramona Inciso foram presos e condenados, em 2002, a 13 anos de prisão.

Ari foi removido a penitenciária de Piraquara e, até o ano de 2006, ainda era tido como Irineu Casarin. No entanto, foi só o advogado Fragoso Veras entrar no caso para que uma reviravolta acontecesse. Numa investigação intensa, não só revelou a identidade de Ari, como o fez confessar a falsificação ideológica. A partir daí, o quadro para o verdadeiro Irineu, passou a melhorar. Hoje, a trama já está elucidada. Com isso, Irineu pode ter seu direito de ir e vir preservado. E, desta maneira, voltar a sua terra natal para retomar a continuidade de seus desejos e sonhos. Pode até entrar com uma ação de reparação contra o Estado. E nunca é demais lembrar: no Brasil, tudo pode acontecer.