Carlos, ao lado do obelisco: história e moedas |
Praça das Três Culturas, Cidade do México, 02 de outubro de 1968. Neste dia, ao por do sol, mais de mil pessoas – a maioria estudantes – foram executadas por tropas do exército. Morreram com armas de guerra porque protestavam pacificamente ao lado da Igreja Santiago Tlatelolco. Aos gritos de “Libertad México”, a manifestação foi considerada uma afronta ao presidente da época Gustavo Diaz Ordaz Bolaños. As tropas, covardemente, aguardaram o calar do sol. Depois, posisionaram-se estratégicamente em janelas de edifícios locais. Ao comando de Bolaños, um helicóptero emite o sinal com luzes. Era o momento de abrir fogo e condenar os manifestantes.
Com a praça cercada, caminhões do exército fizaram a coleta dos corpos. Em seguida, jatos d´água limparam o local. Ao amanhecer, tudo estava limpo, seco, quieto, como se nada tivesse acontecido. Todo o sangue derramado, agora repousava escondido sob o solo. Sem internet, naquela época, as notícias não se espalhavam. Pra piorar, os meios de comunicação estavam sob uma ditadura impiedosa. O medo era maior. Jornalistas eram mortos. Até hoje – 47 anos depois - os corpos não foram localizados. Por isso a imprecisão em quantificar o número exato de mortos. A história do massacre da “Praça de Tlatelolco” veio a público apenas em 1993. Durante 25 anos, o caso foi escondido pelo governo mexicano. Hoje, um obelisco repousa em meio a praça com o nome de alguns estudantes mortos. Quem conta a história é Carlos, um andarilho que vive de moedas sob o monumento.
Segundo ele, em 1968, manifestações ocorriam em vários países. No Brasil não era diferente, a ditadura imperava, e muita gente era executada. No caso do México, a execução em massa ocorreu dez dias antes do início dos Jogos Olímpicos, disputados nesta mesma cidade. O crime foi precedido por vários meses de instabilidade política na capital mexicana. Os estudantes pretendiam explorar a atenção do mundo, focada na Cidade do México por ocasião dos Jogos Olímpicos de 1968. No entanto, o presidente Gustavo Bolaños estava determinado a pôr fim aos protestos estudantis.
Carlos mora na praça e vive da história do massacre |
Em Setembro, o presidente ordenou ao exército que ocupasse o campus da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), a maior da América Latina. Os estudantes foram espancados e detidos de forma indiscriminada. Então, os protestos estudantis não esmoreceram. As manifestações aumentaram de proporção até que, no dia 2 de Outubro, e após greves estudantis que se prolongaram por nove semanas, 15 mil estudantes de várias universidades invadiram as ruas da Cidade do México, ostentando cravos vermelhos como sinal de protesto contra a ocupação militar da UNAM.
Ao cair da noite, cerca de 5 mil estudantes e trabalhadores, muitos deles acompanhados das mulheres e filhos, haviam se concentrado no exterior de um bloco de apartamentos situado na Plaza de las Tres Culturas em Tlatelolco para o que deveria ser uma manifestação pacífica. Por entre os cânticos entoados ouviam-se as palavras México - Libertad (México - Liberdade). Os organizadores do protesto tentaram em vão que este fosse cancelado quando se aperceberam do aumento da presença militar na zona.
Igreja, junto a praça, mantém buracos de tiros |
O massacre teve início ao pôr-do-sol quando forças do exército e da polícia - equipadas com carros blindados e tanques - cercaram a praça e começaram a abrir fogo contra a multidão, atingindo não só os manifestantes, mas também pessoas que se encontravm no local por razões em nada relacionadas com a manifestação. Manifestantes e transeuntes, incluindo crianças, foram apanhados pelos disparos e em pouco tempo os corpos amontoavam-se na praça. A matança continuou noite adentro, com os soldados a efetuar operações de busca casa a casa nos edifícios de apartamentos junto à praça. Testemunhas destes acontecimentos afirmam ter visto mais tarde os corpos serem recolhidos por caminhões do lixo. Na explicação oficial dada pelo governo para o que acontecera, afirma-se que provocadores armados misturados entre os manifestantes, colocados nos edifícios adjacentes à praça tinham iniciado o confronto. Encontrando-se debaixo de fogo as tropas teriam disparado em auto-defesa.
Em Outubro de 1997 o congresso mexicano criou uma comissão para investigar os fatos ocorridos durante o massacre de Tlatelolco. Esta comissão entrevistou muitos dos intervenientes políticos envolvidos no massacre, incluindo o ex presidente da república Luis Echeveria Alvarez, ministro do interior no governo de Díaz Ordaz em 1968. Ele admitiu que os estudantes estavam desarmados e sugeriu que a ação militar havia sido planejada com o objetivo de destruir o movimento estudantil.
Em Outubro de 2003 surgiram informações sobre o papel do governo dos Estados Unidos no massacre após a publicação feita pelo National Security Archive, da George Washington University, de uma série de documentos da CIA, Pentágono, Departamento de Estado, FBI e da Casa Branca. Esta publicação surgiu na sequência de solicitações efetuadas ao abrigo do Freedom of Information Act. No entanto, estes documentos não apontam para qualquer envolvimento dos Estados Unidos no massacre, mostrando apenas a preocupação do país com a segurança durante os jogos olímpicos.
Em Junho de 2006, Echeverría foi acusado de genocídio em relação ao massacre. Foi colocado em prisão domiciliar, aguardando julgamento. Em Julho do mesmo ano foi ilibado da acusação de genocídio, uma vez que o juiz decidiu que ele não poderia ser julgado, de acordo com a lei mexicana de prescrição processual.
A Praça da Morte
Jesus de Guadalupe. Ao fundo, resquícios astecas |
De acordo com o estudioso Jesus de Guadalupe, a Praça das 3 Culturas, também pode ser chamada de Praça da Morte. Ele identificou uma série de semelhanças no tempo que remetem ao local o cheiro de sangue. Cronologicamente, ele sobrepõe a imagem o templo asteca encontrado sob a terra, junto a praça. Ali, a cerca de mil anos, antecendentes mexicanos utilizavam a estrutura para sacrifícios humanos. E não eram poucos. Depois disso, o acontecimento do massacre de inúmeros estudantes. Por último, Jesus descreve o terremoto de 1985 como mais um fato para descrever a Praça da Morte. Segundo ele, com o tremor, prédios inteiros que ali estavam, vieram a baixo, matando milhares de pessoas. “Não consigo ver este lugar sem o relacionar a morte. Algo aqui está errado”, diz.
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