segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Humanos









Marcelo carrega na alma as marcas da solidão


Dilmércio Daleffe
Marcelo chegou a uma semana em Campo Mourão. Veio andando sobre o asfalto quente e sob o sol escaldante dos últimos dias. Chegou sozinho, carregando os poucos pertences de sua mochila. Marcelo está só no mundo e trouxe na alma as marcas da solidão. Sem maiores perspectivas, acabou no albergue da cidade. E é lá, onde reflete o presente e pensa no futuro. Mas ele não consegue apagar as dores do passado. Foi humilhado, agredido, quase morto. Ficou quatro dias desacordado num hospital de Guarapuava. Quando voltou à vida, descobriu que alguém lá em cima ainda torcia por ele.
 Seu nome é Marcelo Carvalho. Aos 33 anos, continua a procurar um lugar ao sol. Trata-se de um cara simples, vivido e, acima de tudo, inteligente. Apesar de ter pouco estudo, se expressa com facilidade e mostra um vocabulário de dar inveja. É até gostoso escutá-lo. Mas definitivamente, a vida não foi fácil. A cada dia, um novo desafio. Marcelo nasceu em Mafra, Santa Catarina, no ano de 79. A grosseria do destino já lhe deu as boas vindas no hospital. Ao mesmo tempo em que nascia, a mãe fugia. Foi abandonado sem conhecer mãe e pai. Mas logo adotado por uma enfermeira, Sônia, que não podia engravidar.
Aos 15 anos, deixou Mafra e a mãe adotiva para tentar a vida na cidade grande. Foi a São Paulo de carona. Lá, virou office boy. Logo depois, numa churrascaria, onde lavava pratos. Permaneceu na capital por pouco mais de um ano, retornando a Mafra. Mas bastou a chegada de um circo na terra natal para que seguisse com ele. “Pedi emprego para desmontar o circo e eles deram. Depois fui embora com a turma”, disse. Anos depois cansou da empreitada. Passou a rodar os estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Aventurou-se com mulheres, percorreu centenas de quilômetros a pé e trilhou seu próprio destino.
Mas um dia, andando sujo, cansado, sedento e com uma sacola nas costas, próximo a Caçador, em Santa Catarina, decidiu pedir comida em um restaurante. Foi humilhado. A dona o chamou de vagabundo. Aos berros dizia para que saísse dali. Mas um homem que almoçava com a família levantou-se e reprimiu a mulher. Então convidou Marcelo para que se sentasse em sua mesa. Envergonhado, disse que não queria. Mesmo assim aquele homem o serviu com duas marmitas, um refrigerante, uma nota de R$50 e, não satisfeito, ainda deu uma carona. “Ainda existem boas pessoas. Há quem julgue um livro apenas pela sua capa”, disse.
Madrugada do dia 25 de novembro de 2011. Num banco da rodoviária de Guarapuava, Marcelo dormia com seu surrado cobertor. Cerca de seis skinheds, num ato de covardia, desfiguraram seu rosto, mesmo dormindo. Foi atacado de forma cruel, sem chance alguma de defesa. Quando acordou, quatro dias depois, estava na cama de um hospital completamente atordoado e ainda, com os movimentos do rosto comprometidos. “Acho que apanhei pelo preconceito”, disse. Em poucos dias, a surra completará um ano. Mas até hoje o rosto de Marcelo está sem alguns movimentos. “Deus permitiu que eu saísse vivo. Isso é o que importa”, explica.
Após deixar o hospital, Marcelo seguiu seu destino. Chegou até Palotina, onde se reencontrou com um ex-empregador. Num parque de diversões itinerante, permaneceu até poucos dias. Lá, colaborava para funcionar os brinquedos. Mas ele cansou daquela rotina e botou os pés na estrada, mais uma vez, chegando até Campo Mourão. Aqui, encontrou abrigo no albergue local, onde, segundo ele, recebeu carinho e atenção. Sentimentos distantes para quem vive isolado na solidão.
Dias desses, Marcelo recebeu um terço de presente de um grupo de católicos. E isso mexeu com ele. Pode-se afirmar que o pequeno gesto mudou sua vida. Depois do regalo, parece que se aproximou do criador. Mesmo diante das catástrofes de sua vida, ele se diz feliz. Marcelo continua solitário, sem família, sem ninguém. Não possui bens materiais e continua em busca de um novo caminho. Já tinha a mochila com as poucas roupas. Mas agora também tem a Deus. Na próxima curva da estrada, ele pode encontrar o seu verdadeiro trajeto.    

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

O cheiro do ralo

Embora os pequenos municípios da região de Campo Mourão venham trocando seus gestores ao longo dos anos, a maioria deles acabou optando por não investir em esgoto. Hoje, menos de 30% da população possui saneamento adequado em casa. Dos 25 municípios, 16 deles não mantém nenhum centímetro de galerias para dejetos. Pior ao meio ambiente. O lençol freático pode estar sendo contaminado, dia a dia. Além disso, milhares de pessoas também estão sujeitas a contraírem doenças através da contaminação da água. Como as causadas por bactérias, vírus, vermes e protozoários. O que é melhor: prevenir ou continuar remediando? Seja qual for o entendimento dos governantes, bem vindo ao terceiro mundo. 


Dilmércio Daleffe
Dos 25 municípios da região de Campo Mourão, ao menos 16 não possuem rede de esgoto. Ou seja, durante os anos de emancipação, os governantes jamais investiram em obras que pudessem contribuir com o meio ambiente e, acima de tudo, com o bem estar da população. Afinal, trata-se de investimentos que não aparecem. Ficam sob a terra e desaparecem aos olhos dos eleitores. Trata-se de um histórico político social brasileiro: prefeitos não gostam de aplicar recursos em esgoto. É caro e ninguém vê. Hoje, pode-se afirmar que dos quase 300 mil habitantes da região, menos de 30% mantém rede de esgoto em casa. Os demais submetem-se a fossas sépticas e, até, com dejetos escorrendo em frente as residências. De uma certa forma, a maior parte da população é mantida de modo primitivo, como reflexo direto das normas que conduzem ao terceiro mundo.
Ela assistia televisão quando a reportagem chegou a sua casa. Ela é uma dona de casa, moradora em um bairro carente de Luiziana e que não quis ser identificada. O local é rudimentar. Trata-se de um barraco, ainda sem piso, cujas frestas das paredes parecem se alargar a cada dia. O problema é que lá não existe esgoto encanado. Aliás, lá e em qualquer outro lugar da cidade. Bem em frente à porta da frente, uma pequena erosão escoa toda água da casa. O cheiro é forte e por isso a moradora prefere não receber visitas. “Tenho vergonha de convidar parentes pra vir aqui”, diz. E a preocupação aumenta quando os netos chegam. Descalços, eles brincam ao lado da água suja. No início do ano, a dona de casa contraiu hepatite. 
Próximo dali reside a aposentada Ana Rosa Pereira, de 93 anos. Ela também mora numa casa modesta, onde a rua também não é asfaltada. Mas diferente do primeiro caso, o esgoto não corre a céu aberto. Há alguns anos ela tirou dinheiro do bolso e fez uma fossa aos fundos da casa. “Foi caro pra fazer. Lembro até hoje do valor”, disse. Além de seu imóvel, o buraco também atende outras duas residências vizinhas. De acordo com o secretário de administração de Luiziana, Edcarlos Médice, embora o município contabilize uma porcentagem zero em rede de esgoto, a situação vem sendo encarada como prioridade para a próxima gestão. “Encaramos o problema como uma meta”, afirmou. Apenas como fato: são 25 anos de emancipação política de Luiziana e nenhum centímetro de investimento até os dias atuais.
Em Barbosa Ferraz a situação é um pouco melhor. Lá, 26% da área urbana já mantém rede de esgoto. Ainda é pouco, mas segundo a prefeitura, novos investimentos estão por chegar. De acordo com Márcio Fukuro, chefe de gabinete, até o final do ano a Sanepar deve iniciar investimentos de mais sete mil metros de esgoto. “Já temos o material. Falta agora licitar a mão de obra”, explicou. Município vizinho a Barbosa, Corumbataí do Sul já construiu 58% de esgoto na zona urbana. O servente Reginaldo Gomes dos Santos está feliz com a sua rua. “Aqui está tudo canalizado. Não vemos esgoto em nenhum lugar”, revelou.    
Consequências da falta de esgoto
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), 80% das doenças que ocorrem nos países em desenvolvimento são ocasionados pela contaminação da água, e que a cada ano, 15 milhões de crianças de zero a cinco anos de idade morrem direta ou indiretamente pela falta ou deficiência dos sistemas de abastecimento de águas e esgotos. Ainda hoje, no Brasil, 55,5% da população não são atendidos por rede de esgoto, sendo 48,9% da área urbana e 84,2% da área rural (segundo relatório IBGE, 2000).



No Brasil, 47,8% dos municípios não têm esgoto, o que afeta diretamente a qualidade das águas de rios, mares e lagoas das cidades brasileiras (segundo relatório do IBGE, 2000). Esse grande número de águas contaminadas ocasionam graves problemas de saúde. Doenças como, por exemplo, as causadas por bactérias, vírus, vermes e protozoários como amebíase, febre tifóide, giardíase, hepatite tipo C e outras. Para o Sistema de Controle Ambiental, poluir é lançar substâncias em quantidade acima da capacidade de autodepuração ou dispersão do meio, ou de qualidade que não possa ser absorvida pela natureza.
Sanepar prevê mais investimentos na região
Sanepar prevê mais investimentos
De acordo com a assessoria da Sanepar, os investimentos da empresa junto aos municípios são feitos de acordo com o contrato firmado com cada um deles. No entanto, as prefeituras também podem buscar recursos, por iniciativa própria, junto ao Ministério das Cidades. Exemplo disso acontece em Altamira do Paraná, que conseguiu junto a Funasa R$ 1,7 milhão para investir na implantação do sistema de esgotamento sanitário.


Para atender outros municípios da região, a Sanepar está desenvolvendo vários projetos, em conjunto com a Funasa, para implantar serviços de coleta e tratamento de esgoto nos municípios de Farol, Mato Rico, Nova Cantu, IV Centenário, Quinta do Sol e Rancho Alegre do Oeste. A Sanepar também tem buscado recursos para atender os municípios paranaenses com população de até 50 mil habitantes. Entre as ações desenvolvidas pela empresa está a criação de uma força-tarefa composta por técnicos e engenheiros para o desenvolvimento de projetos e busca de novas tecnologias.
Este trabalho garantiu, no final do ano passado, recursos no valor de R$ 260 milhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para serem investidos nestes municípios. Na região de Campo Mourão já estão contemplados Araruna (R$ 4,5 milhões), Campina da Lagoa (R$ 1,4 milhão), Moreira Sales (R$ 1,5 milhão) e Ubiratã (R$ 1,3 milhão). Em 2011 a Sanepar fez a emissão de debêntures no valor de R$ 374 milhões para investir em saneamento em todo o Estado, a maior parte em pequenos municípios.

Números do problema
Altamira do Paraná – sem rede de esgoto
Araruna – 28,8% de rede de esgoto
Barbosa Ferraz – 26,67% de rede de esgoto
Boa Esperança – sem rede de esgoto
Campina da Lagoa – sem rede de esgoto
Campo Mourão – 72,32% de rede de esgoto
Corumbatai do Sul – 58,02% de rede de esgoto
Engenheiro Beltrão – 18,58% de rede de esgoto
Farol – sem rede de esgoto
Fênix – sem rede de esgoto
Goioerê – 48,85%, de rede de esgoto
Iretama – sem rede de esgoto
Janiópolis – sem rede de esgoto
Juranda – sem rede de esgoto
Luiziana – sem rede de esgoto
Mamborê – 71,85% de rede de esgoto
Moreira Sales – sem rede de esgoto
Nova Cantu – sem rede de esgoto
Peabiru – sem rede de esgoto ativa
Quarto Centenário – sem rede de esgoto
Quinta do Sol – sem rede de esgoto
Rancho Alegre do Oeste – sem rede de esgoto
Roncador – sem rede de esgoto
Terra Boa – 21,95% de rede de esgoto
Ubiratã – 26,94% de rede de esgoto

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

A luta de Joffre contra Sandy


Dilmércio Daleffe
Mourãoense, agora morador de Nova York, Joffre Brunet, 35 anos, passou momentos de terror e pânico sob as forças de Sandy, o furacão avassalador que destruiu partes da cidade americana. Através do Facebook, ele enviou um relato sobre o medo por qual passou. Após o susto, Joffre diz que aos poucos a cidade está voltando ao normal. O grande problema agora é a falta de energia. Milhares de pessoas não conseguem ao menos recarregar seus celulares. Quando há uma tomada em funcionamento, ela é colocada em público. Ou seja, os nova iorquinos estão se ajudando. 
Joffre está em Nova York há 19 anos. Deixou a poeira vermelha de Campo Mourão para ganhar a vida no ramo de turismo. Hoje é responsável por praticamente todos os brasileiros que chegam a NY através de uma empresa, também brasileira. Casado com uma nicaragüense, Amanda Brenes, 33, tem duas filhas, Victoria, 7, e Sophia, 3. O casal é reflexo da pujança do povo latino americano, o qual prefere sentir a saudade de sua terra, mas lutar em busca de seus sonhos. 
De acordo com Joffre, o bairro de Staten Island foi o mais afetado. “Está um horror”, disse. Bombeiros ainda estão retirando corpos de casas alagadas. Já os aeroportos ficaram parados por dois dias, afetando cerca de 16 mil vôos. “Turistas dormiam onde a Cruz Vermelha conseguia colocá-los”, disse. A ilha de Manhattan está sem luz, sendo a parte sul, a mais afetada. “Dos amigos de Campo Mourão que aqui vivem – Fabíola Korin, Fátima Frison, Andréa Dala Rosa e Cleber Dala Rosa - todos estão bem. A Andréa e o Cleber ficaram mais tempo sem energia”, relatou. “Durante a tempestade eu vim para um hotel em Manhattan, onde fiquei com a família por dois dias. Foi uma ótima decisão. O restaurante ficou aberto 24 horas e só escutava um vento muito forte do lado de fora”, contou.


Segundo ele, tanto o metrô como os ônibus em NY estão gratuitos nesses dias e funcionando parcialmente por problemas em algumas estações, que ainda estão cheias d'agua. Joffre também diz que a população criticou o prefeito Michael Bloomberg por não ter cancelado a maratona de NY, que seria no domingo – a maratona acabou sendo cancelada diante dos protestos.
Pelo menos 90 pessoas morreram nos Estados Unidos em decorrência da passagem da Tempestade Sandy, que antes era considerada um furacão. Na região de Staten Island, em Nova York, dois irmãos, de 2 anos e 4 anos, estão entre os mortos. Eles foram arrancados dos braços da mãe com a força da correnteza. Um brasileiro também está entre os mortos. Sandy provocou queda de energia, desabastecimento nos postos de combustíveis, alagamentos em várias ruas e praticamente desativou cidades. Escolas, comércio e departamentos públicos não funcionaram nos dias em que a tempestade estava prevista.
Em muitas das áreas periféricas da cidade, milhares de pessoas vão ter que esperar até nove dias, e em alguns casos até mais, para a eletricidade a ser restaurada em suas casas. Alguns perderam totalmente suas residências por inundações ou incêndios. Outros estão lidando com os fortes danos da tempestade. Em alguns bairros a destruição é enorme. Uma casa foi completamente derrubada de suas bases, o interior de muitas outras foi destruído e estão inabitáveis. Grande parte dos danos foi causado por uma onda que trouxe inundações de mais de cinco metros.
Enquanto a vida se restabelece, Joffre vai decidindo o futuro político americano. Segundo ele, ainda existem muitos lugares debaixo d'agua, o que poderá afetar as eleições para presidência, na próxima terça. “Por sinal eu votarei para Obama. Ele está nas pesquisas com uma leve vantagem sobre seu rival, Mitt Romney”, disse.