Greve dos
caminhoneiros
Desabastecimento?
Aonde?
Família não
viu desabastecimento com greve dos caminhoneiros
Dilmércio
Daleffe
Um fogão a
lenha. Galinheiro no quintal. Feijão e arroz plantados no próprio sítio. Leite
entregue em casa direto do produtor. Crise de abastecimento? Aonde? É o que
pergunta Valdenor Vieira. Aos 80 anos, o aposentado e produtor rural passou a
última semana como qualquer outra. Não teve transtornos com a paralisação dos
caminhoneiros, muito menos viu os problemas enfrentados nas médias e grandes
cidades brasileiras. “Crise para mim é quando estamos doentes”, diz.
Vieira mora
em Piquirivaí, comunidade distrital oito quilômetros de Campo Mourão. Reside
com a esposa Maria Aparecida e com uma filha. E é ali, na casa simples, sem
luxo, onde se vê a riqueza distribuída pelo quintal. Uma horta com manjericão,
alecrim, cheiro verde e inúmeras outras hortaliças. Ao canto, um pequeno
galinheiro com os bichos produzindo os ovos tão requisitados por estes dias.
Num velho freezer sem motor, um estoque com feijão, arroz, amendoin e diversos
grãos armazenados em pets de refrigerantes. Frutas espalhadas por estantes e,
até no chão. Tudo vindo da propriedade rural da família. Até mesmo mel das
Jataís ele apanha sem maiores dificuldades. Encostado na parede, uma leva de
lenha bravamente guardada para a esposa fazer biscoitos e o pão caseiro. O
velho fogão e forno a lenha a postos, sempre, como uma poesia nos tempos
modernos.
Nascido no
Ceará em 1938, Vieira chegou à comunidade ainda em 67. Sempre manteve um dos
pés na zona rural. Mas também trabalhou com secos e molhados na própria
Piquirivaí. No entanto, hoje ele vê a importância da sobrevivência do homem em
virtude do campo. “Aqui não nos falta nada. Temos tudo devido à proximidade
rural. Se um vizinho não tem algo, emprestamos. O leite chega em casa. Gas não
precisamos. Combustível para que, se andamos a pé”, questiona. Em tempo –
Piquirivaí possui duas avenidas. Para ir até o sítio, o aposentado percorre os
dois quilômetros a pé, quase todos os dias.
A fartura é
tanta que, segundo ele, a conta mensal do mercado não chega a R$300. Compra-se
apenas o necessário, como açúcar e outros produtos indispensáveis à limpeza da
casa. Até mesmo o óleo de cozinha não é comprado. “Usamos banha de porco. Mais
saudável e não precisamos comprar”, lembra. No último sábado a família decidiu
fazer uma feijoada. Mercado? Não. O feijão veio do sítio. A carne de porco do
vizinho. A couve da horta.
Vieira é um
cearense de prosa baixa e calma. Conta histórias detalhadamente num tom pacífico.
Não ofende ninguém. Só agradece. Religioso, é devoto de Nossa Senhora
Aparecida. Aliás, não o visite entre as 17h e 18h. É neste horário em que fica
isolado em sua casa para orar. “Rezo para mim, minha família e meus amigos.
Agora, rezo mais para as pessoas más. É necessário”.
Talvez pela
fé, Vieira acredite num futuro em que o homem tenha que retornar as suas
origens. Ou seja, no campo. “Vive-se hoje num mundo de aparências. Tudo gira
pelo dinheiro. E é por isso que a crise recente mexeu com o país. Se o homem
retardasse os seu ritmo, talvez, esta crise não teria acontecido”, afirma.
Segundo ele tem-se que aprender viver mais com menos coisas. E mais qualidade
de vida. “A crise quem faz somos nós mesmos”, assegura.
Na vida
simples e segura que ele e a família levam, aprendeu a ter muitos amigos.
Somente compadres são 72. Isso significa que a casa vive cheia de visitas. Por
esta razão a dispensa tem que estar sempre cheia de comida. “Podia ter a
paralisação dos caminhoneiros durante um ano. Nossa vida não iria mudar em
nada. Temos tudo o que precisamos. Para quem vive simples, a vida é simples”,
garante.