quarta-feira, 24 de setembro de 2014

“Ivan, o Terrível”: um psicopata a menos entre nós



Ivan: a face do crime


Dilmércio Daleffe

O escorpião aproximou-se do sapo à beira do rio. Como não sabia nadar, pediu uma carona à outra margem. Desconfiado, o sapo respondeu: “Ora, escorpião, só se eu fosse tolo demais! Você é traiçoeiro, vai me picar, soltar seu veneno e eu vou morrer.” Mesmo assim o escorpião insistiu, com o argumento lógico de que se picasse o sapo ambos morreriam. Com promessas de que poderia ficar tranquilo, o sapo cedeu, acomodou o escorpião em suas costas e começou a nadar.

Ao fim da travessia, o escorpião cravou o seu ferrão mortal no sapo e saltou ileso em terra firme. Atingido pelo veneno e já, começando a afundar, o sapo desesperado quis saber o porquê de tamanha crueldade. E, friamente, o escorpião respondeu: “Porque essa é a minha natureza.”

O trecho extraído do livro “Mentes Perigosas”, de Ana Beatriz Barbosa Silva, reflete parte do mundo doentio de Raimundo Gregório da Silva, 56 anos, que ficou conhecido como “Ivan, o Terrível”. Esta semana ele foi condenado a 36 anos e seis meses de prisão por duplo homicídio qualificado e ocultação de cadáver. Isso porque, há cerca de sete anos, matou, queimou e ocultou os corpos de duas adolescentes. Parecido com filmes policiais americanos, a cena ocorreu em Campo Mourão, interior do Paraná. Em um bairro carente da periferia. Numa escola pública, onde Raimundo era o caseiro.

Amigo de todos os estudantes daquela instituição, “Ivan” – como foi apelidado – fazia o papel do caseiro boa gente. Sua missão era limpar e zelar da escola. Dava pitos aos mais bagunceiros e até conselhos aos que precisavam. E foi assim, com jeitinho, que aproximou-se das duas jovens Iara e Dmitria. A primeira desapareceu em 2010 e a segunda, em 2008. Pois bem, nenhuma delas jamais imaginou que estavam junto a um psicopata. Principalmente, porque para a maioria das pessoas, psicóticos têm cara de mau, são truculentos e com desvios comportamentais óbvios.

Mas não. “Ivan” que o diga. Sujeito franzino, baixinho, magro. Gente boa, conversador, amigo. Quando usava seus óculos então, tinha até cara de intelectual. Dava até dó. Quem seria capaz de dizer que faria o que fez? Mas segundo a escritora Ana Beatriz, sim, os psicopatas estão entre nós. São pessoas próximas demais que, de tão perigosas, fingem como atores consagrados de Hollywood.  

Após quatro anos preso, seu julgamento terminou perto das 23h da última terça-feira – dia 23 de setembro. Ivan afirmou ter matado as meninas a marretadas. Depois de matá-las, queimou os corpos e as cinzas, jogou na horta do colégio - quantas crianças não se alimentaram daquela horta?. Depois desenterrou algumas partes e colocou na fossa.

Dimitria Vieira, em 2008, era quase uma criança. Tinha 16 anos. Iara Pacheco, estava com 21 anos, em 2010. A polícia chegou até ele depois de encontrar roupas das meninas no forro da escola. As investigações chegaram a ser encerradas. É que Ivan enviava mensagens de um celular às famílias das vítimas, se passando pelas próprias meninas. Mas a polícia descobriu que o aparelho que enviava as mensagens estava na casa de Ivan. No aparelho também foram encontradas fotos das meninas nuas.

Mas se para o alívio das famílias das duas adolescentes a justiça foi feita, fica a constatação de uma realidade mais ameaçadora. Para a escritora e pesquisadora, o mais impactante é que a maioria esmagadora de pessoas com mentes perigosas está do lado de fora das grades, convivendo diariamente em sociedade. Transitam diariamente pelas ruas, cruzam nossos caminhos, frequentam as mesmas festas, dividem o mesmo teto e, ás vezes, dormem na mesma cama.

Uma vez na rede de um psicopata, as consequências são avassaladoras. Vidas arruinadas, sonhos destruídos, dramas psicológicos. Dor. Ivan, agora está preso. Terá uma longa jornada distante da sociedade. Mas enquanto isso, muitos outros continuam por aqui. E eles estão perto. Muito perto.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Médico nazista cruzou o caminho de Gurski




Com medo, Gurski preferiu não mostrar o rosto


Dilmércio Daleffe

Aos 51 anos de idade, Reinaldo Gurski é apenas um agricultor de Palmeira – 80 Km de Curitiba. Leva a vida ao lado da esposa produzindo hortaliças e verduras onde reside, numa vila rural. Sua simplicidade é visível já na voz. Estudou até a oitava série. Sem luxo, ou maiores requintes, é um exemplo clássico do verdadeiro paranaense. Mas quis o destino que tivesse seu caminho cruzado a um personagem amaldiçoado pela história. Sim, segundo ele ainda em 1986, por consequências de seu passado, conheceu Josef Mengele, o carrasco médico nazista companheiro de Adolf Hitler. A experiência por ele vivida foi detalhada e, aqui, será narrada pela primeira vez.

Março de 1985, município de Palmeira, Paraná. Gurski casou-se e decidiu arrendar cerca de 40 alqueires de terra. Sempre da roça, cresceu na inocência de um tempo sem maldades. Com a soja plantada, veio a chuva de granizo e depois a estiagem. Perdeu a colheita, entrou em dívidas e acabou fugindo dos credores. Deixou a esposa em Palmeira para tentar renda no Paraguai. Então, no mesmo ano, dirigiu-se a Mandaí, do outro lado da fronteira. Lá, soube que em um silo havia emprego. Foi recepcionado por um jovem loiro de 30 anos, olhos escandalosamente azuis e uma raiva fulminante.  “Você é judeu. Vá embora daqui agora. Não gostamos de judeus”, gritou. Gurski, aos 24 anos, sem saber o que acontecia, sumiu com medo daquele homem furioso.

Precisando de dinheiro e agora, sem saber o que fazer, Gurski voltou a Presidente Strossner – hoje Cidade de Leste, no Paraguai. Lá, sob uma sombra, estava a pensar e refletir. Então conheceu um casal de gaúchos que o informaram sobre uma tal Gleba 8. Lá tinha emprego. Horas mais tarde adentrou ao ônibus e rumou a localidade. No interior paraguaio, além do mato, a Gleba 8 se resumia apenas num bar, numa pensão e numa igreja. Com a promessa de trabalho, Gurski instalou-se na pensão e depois, foi até o bar. Lá, observou certa apreensão nas pessoas. Todos saíram, deixando-o apenas com a atendente, uma menina de 14 anos. Pediu um conhaque e a garota, tremendo, o serviu. Ele não entendia o que acontecia, mas sentia que não era bom.

Então, enquanto tomava a bebida, escutou ao fundo do boteco um barulho de revólver – uma espécie de disparo sem balas. Foi quando puxou o pescoço de lado e observou a figura de um velho, olhos azuis, gordo, cabelos grisalhos e com a arma em mãos. Por um instante, os dois se olharam e, naquela fração de segundos, Gurski disse ter visto a morte naquele olhar. O medo tomou conta. Virou o conhaque, pagou a menina e desapareceu. Entocado na pensão, recebeu a notícia de que aquele velho queria lhe falar. Receoso, topou o encontro.

No interior do bar, Gurski foi recebido. Sentou-se em frente ao velho e lá, tiveram uma conversa de quase duas horas. O agricultor, até então, não entendia o porquê daquela prosa. Mas logo o senhor gordo revelou o motivo. Pediu desculpas porque havia matado um primo dele na cidade de Pitanga, na região central do Paraná. Preocupado, o velho achou que o judeu paranaense havia chegado à localidade para algum tipo de vingança. Mas não. Ele não tinha parente nenhum morto em Pitanga. Mesmo assim, o perdoou para encerrar aquele diálogo. Num resumo geral, aquela conversa era um festival de equívocos. E o pior de tudo. Aquele velho, segundo Gurski, era Josef Mengele. Mas imagine um homem vindo da roça, sem estudo e sem informação. Ele não sabia quem era o tal Mengele. Não sabia de nada. Queria apenas trabalho.

Gurski teve medo de ser morto pelo alemão


Conversa vai, conversa vem, senta-se a eles uma moça de aproximadamente 26 anos de idade. Dizia ser filha do velho e, em seguida, iniciou a apresentação de seu pai. “Meu pai é Josef Mengele, o médico alemão da Segunda Guerra Mundial. Participou ao lado de Hitler da melhora da raça ariana”, revelou. Gurski nem imaginava quem eram Mengele e Hitler. Mas foi escutando a conversa. Num determinado momento, o velho tirou o paletó. Depois retirou as mangas da camisa. Para sua surpresa, era um disfarce. O homem era magro, mas colocava enxertos de tecidos sob a roupa. Mais adiante retirou uma máscara. “Eu fiquei perplexo com o que vi. Não entendia porque ele estava se escondendo. Não sabia de nada”, disse Gurski. E foi neste momento em que Gurski, vendo o homem retirar a máscara, brincou e perguntou se ele era um palhaço. “Ele não gostou e apontou a arma pra mim”, disse.

Os relatos do agricultor também mencionam as ações do suposto Mengele durante a Segunda Guerra. Segundo ele, o alemão narrou parte das experiências humanas realizadas em campos de concentração. “Lembro que ele disse ter contribuído para a medicina durante a guerra. E não ao contrário”, afirmou. Depois do encontro, os dois não se viram mais. Gurski conseguiu emprego e trabalhava muito. Mas ele foi embora em 87. A partir daí não teria mais visto aquele alemão.

Volta ao Brasil e o reencontro com o nazista


Ao chegar novamente ao Brasil, buscou informações e soube, finalmente, quem foi Mengele, Hitler e os atos que os amaldiçoaram. Foi um choque. Ainda mais para um homem inocente da roça. Em Palmeira, ficou ao lado da esposa e com ela teve dois filhos. Enquanto isso trabalhou para uma madeireira, na qual foi motorista de caminhão.

Setembro de 1990. Gurski foi ordenado a levar o caminhão até Bateias, próximo a Curitiba. Lá, pegaria calcário em uma empresa. Enquanto aguardava o carregamento, um homem o chamou dizendo que uma ambulância estava parada na rodovia. Em seu interior, seu pai. Ele estaria doente, à beira da morte. Então, Gurski, apavorado, desceu a pé a estrada e viu a ambulância. Mas para seu espanto, não encontrou o pai e sim, o mesmo velho alemão de quatro anos antes. Segundo ele, o velho teria perguntado se o reconhecia. Sua resposta: “Você é o palhaço do Paraguai”. Então, o suposto Mengele, bastante doente, o convidou para seguir viagem ao seu lado. Gurski recusou. Disse que sabia das atrocidades que ele havia cometido no passado.  “Além de recusar ainda briguei com ele. Jamais entraria naquele carro”, afirmou Gurski.

A conversa não passou de alguns minutos. Gurski diz lembrar que a aparência daquele homem era muito doentia. “Ele estava no final da vida. Dava pra ver. Muito velho. E pelo que reparei, estava fugindo da polícia”, disse. “Tanto é que me mostrou um pouco de veneno que carregava com ele. Disse que ninguém o pegaria”. Gurski deu as costas e subiu a pé até onde estava seu caminhão. Notou então que a ambulância – segundo ele da prefeitura de uma cidade da região oeste do estado do Pr – não seguiu pela estrada de asfalto. Foi em direção a Balsa Nova, por um caminho de terra.

Assim que o caminhão foi carregado, Gurski pegou a estrada para voltar a Palmeira. Mas foi logo abordado por uma viatura da Polícia Federal. Eles queriam saber onde estava o nazista. “Não sei como sabiam, mas tinham meu nome e tinham a informação que o alemão havia passado por ali. Foi então que revistaram o caminhão”, disse.  Durante a revista os policiais perguntaram se ele teria visto o suposto Mengele. E ele confirmou. Questionaram então do porque não teria avisado a polícia. “Falei pra eles que se tivesse feito isso iriam rir de mim. Quem iria acreditar numa história dessa”, argumentou. Gurski ainda informou que o velho estava numa ambulância, e não muito longe dali. Os policiais disseram que haviam interceptado a ambulância. Mas que não era Mengele. “Eles não sabiam, mas era o nazista. Estava disfarçado”.

Dias depois, motivado pela curiosidade, o agricultor se dirigiu até a estrada de Balsa Nova. Ali, soube que na comunidade conhecida como Tamanduá, algumas pessoas teriam visto uma ambulância despejar algo no cemitério local. “Um túmulo ali está sem identificação até hoje. Acredito que Mengele esteja enterrado entre aqueles tijolos”, afirma.


Túmulo onde Gurski supõe estar os ossos de Mengele



Gurski sabe dos levantamentos realizados em Embu, São Paulo, onde dizem ter encontrado os ossos do nazista na década de 90. Mas ele não acredita nisso. Para ele, o “Anjo da Morte” – como ficou conhecido – está enterrado no Paraná. Com medo da repercussão que a história terá, Gurski não quis mostrar o rosto. Ele tem medo de possíveis retaliações. “Ainda existem nazistas no Paraná. Familiares de Mengele moram aqui até hoje”, disse.


“Se eu não acreditasse em Deus, estaria morto. Mengele atirou três vezes em mim naquele bar da Gleba 8. Só que a arma enroscou. E, na ambulância, na estrada para Bateias, o filho dele me revistou para ver se eu não carregava arma. Eu disse que não precisava disso. Mengele olhou para mim e disse: ‘Deus cuida dele’”. 

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Reféns do medo



Dilmércio Daleffe

Elas só queriam retornar do Paraguai com suas compras. Tudo indicava ser um dia feliz. Duas irmãs, o filho de uma delas e a babá. Mas a volta, já à noite, transformou-se em agonia. As quatro pessoas de Campo Mourão acabaram sequestradas. Uma quadrilha fechou o carro na rodovia. Armados com pistolas, bandidos tomaram o veículo e mantiveram a família em cárcere privado. Com medo e receosas de retaliações, elas não permitiram ter os nomes revelados. Mas contaram o drama a que foram submetidas.

O caso aconteceu há alguns dias, quando duas irmãs, de 33 e 36 anos – de família tradicional de Campo Mourão – retornavam à noite de Salto del Guairá, no Paraguai. Juntas, elas também levaram o filho de três anos da irmã mais velha e a babá. Foi um dia tranquilo, distante da rotineira labuta do dia a dia. Longe dos problemas e mesmices da cidade. Fizeram compras, riram, se descontraíram.

O problema é que se atrasaram ao sair do país vizinho. Quando atravessaram a fronteira, já no Brasil, estava noite. E foi aí que bandidos aproveitaram. Alguns quilômetros à frente de Guaíra, tiveram seu veículo – grande e importado – fechado por um carro. Quatro elementos mostravam armas em punho, o que intimidou a motorista. Ao parar no acostamento, receberam voz de assalto. Dois bandidos tomaram a direção, enquanto outros dois levaram a família.

Reféns da quadrilha, a família foi levada a um bairro de Guaíra, onde permaneceu dentro do carro dos ladrões, no quintal de uma casa. As irmãs não viram nada, uma vez que as janelas e vidros do veículo estavam cobertas por tecidos. Os assaltantes também não revelaram seus rostos. Haviam colocado lenços sobre a boca, como nos filmes de faroeste. Tudo foi devidamente planejado. Elas ficariam reféns até o veículo delas estar do outro lado da fronteira.

“Os bandidos nos tranquilizaram. Apesar do nosso medo, eles diziam que tinham família, e que nada ia acontecer com a gente”, revelou uma das irmãs, que, por motivos óbvios, como já relatados, não quis ser identificada. Então, uma hora mais tarde, os meliantes soltaram a família em um bairro de Guaíra. Elas pediram socorro em uma casa e chamaram a polícia.

Para a surpresa das irmãs, a Polícia Federal também estava à procura delas. É que o plano da quadrilha deu errado. O veículo foi parado na fronteira. O bandido não soube explicar a procedência do carro e acabou preso. Ele também confessou o sequestro das mourãoenses, o que fez com que a polícia iniciasse buscas na cidade. Uma vez salvas, elas voltaram para Campo Mourão com o veículo. E o melhor: sem arranhões e sem nenhum tipo de violência.

De acordo com informações, nos últimos meses inúmeros casos de assaltos como este vem sendo cometidos em estradas próximas a Guaíra. O alvo é sempre o mesmo: carros grandes e camionetes, sempre importadas. A ação ocorre à noite. O melhor a fazer é evitar a viagem no período noturno. Desta vez, as vítimas nada sofreram. Da próxima, ninguém sabe.