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Com medo, Gurski preferiu não mostrar o rosto |
Dilmércio Daleffe
Aos 51 anos de idade, Reinaldo Gurski é apenas um agricultor
de Palmeira – 80 Km de Curitiba. Leva a vida ao lado da esposa produzindo
hortaliças e verduras onde reside, numa vila rural. Sua simplicidade é visível
já na voz. Estudou até a oitava série. Sem luxo, ou maiores requintes, é um
exemplo clássico do verdadeiro paranaense. Mas quis o destino que tivesse seu
caminho cruzado a um personagem amaldiçoado pela história. Sim, segundo ele
ainda em 1986, por consequências de seu passado, conheceu Josef Mengele, o
carrasco médico nazista companheiro de Adolf Hitler. A experiência por ele
vivida foi detalhada e, aqui, será narrada pela primeira vez.
Março de 1985, município de Palmeira, Paraná. Gurski casou-se
e decidiu arrendar cerca de 40 alqueires de terra. Sempre da roça, cresceu na
inocência de um tempo sem maldades. Com a soja plantada, veio a chuva de
granizo e depois a estiagem. Perdeu a colheita, entrou em dívidas e acabou
fugindo dos credores. Deixou a esposa em Palmeira para tentar renda no
Paraguai. Então, no mesmo ano, dirigiu-se a Mandaí, do outro lado da fronteira.
Lá, soube que em um silo havia emprego. Foi recepcionado por um jovem loiro de
30 anos, olhos escandalosamente azuis e uma raiva fulminante. “Você é judeu. Vá embora daqui agora. Não
gostamos de judeus”, gritou. Gurski, aos 24 anos, sem saber o que acontecia,
sumiu com medo daquele homem furioso.
Precisando de dinheiro e agora, sem saber o que fazer,
Gurski voltou a Presidente Strossner – hoje Cidade de Leste, no Paraguai. Lá,
sob uma sombra, estava a pensar e refletir. Então conheceu um casal de gaúchos
que o informaram sobre uma tal Gleba 8. Lá tinha emprego. Horas mais tarde
adentrou ao ônibus e rumou a localidade. No interior paraguaio, além do mato, a
Gleba 8 se resumia apenas num bar, numa pensão e numa igreja. Com a promessa de
trabalho, Gurski instalou-se na pensão e depois, foi até o bar. Lá, observou
certa apreensão nas pessoas. Todos saíram, deixando-o apenas com a atendente,
uma menina de 14 anos. Pediu um conhaque e a garota, tremendo, o serviu. Ele
não entendia o que acontecia, mas sentia que não era bom.
Então, enquanto tomava a bebida, escutou ao fundo do boteco
um barulho de revólver – uma espécie de disparo sem balas. Foi quando puxou o
pescoço de lado e observou a figura de um velho, olhos azuis, gordo, cabelos
grisalhos e com a arma em mãos. Por um instante, os dois se olharam e, naquela
fração de segundos, Gurski disse ter visto a morte naquele olhar. O medo tomou
conta. Virou o conhaque, pagou a menina e desapareceu. Entocado na pensão,
recebeu a notícia de que aquele velho queria lhe falar. Receoso, topou o
encontro.
No interior do bar, Gurski foi recebido. Sentou-se em frente
ao velho e lá, tiveram uma conversa de quase duas horas. O agricultor, até
então, não entendia o porquê daquela prosa. Mas logo o senhor gordo revelou o
motivo. Pediu desculpas porque havia matado um primo dele na cidade de Pitanga,
na região central do Paraná. Preocupado, o velho achou que o judeu paranaense havia
chegado à localidade para algum tipo de vingança. Mas não. Ele não tinha
parente nenhum morto em Pitanga. Mesmo assim, o perdoou para encerrar aquele diálogo.
Num resumo geral, aquela conversa era um festival de equívocos. E o pior de
tudo. Aquele velho, segundo Gurski, era Josef Mengele. Mas imagine um homem
vindo da roça, sem estudo e sem informação. Ele não sabia quem era o tal
Mengele. Não sabia de nada. Queria apenas trabalho.
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Gurski teve medo de ser morto pelo alemão |
Conversa vai, conversa vem, senta-se a eles uma moça de
aproximadamente 26 anos de idade. Dizia ser filha do velho e, em seguida,
iniciou a apresentação de seu pai. “Meu pai é Josef Mengele, o médico alemão da
Segunda Guerra Mundial. Participou ao lado de Hitler da melhora da raça
ariana”, revelou. Gurski nem imaginava quem eram Mengele e Hitler. Mas foi
escutando a conversa. Num determinado momento, o velho tirou o paletó. Depois
retirou as mangas da camisa. Para sua surpresa, era um disfarce. O homem era
magro, mas colocava enxertos de tecidos sob a roupa. Mais adiante retirou uma
máscara. “Eu fiquei perplexo com o que vi. Não entendia porque ele estava se
escondendo. Não sabia de nada”, disse Gurski. E foi neste momento em que
Gurski, vendo o homem retirar a máscara, brincou e perguntou se ele era um
palhaço. “Ele não gostou e apontou a arma pra mim”, disse.
Os relatos do agricultor também mencionam as ações do
suposto Mengele durante a Segunda Guerra. Segundo ele, o alemão narrou parte
das experiências humanas realizadas em campos de concentração. “Lembro que ele
disse ter contribuído para a medicina durante a guerra. E não ao contrário”,
afirmou. Depois do encontro, os dois não se viram mais. Gurski conseguiu
emprego e trabalhava muito. Mas ele foi embora em 87. A partir daí não teria
mais visto aquele alemão.
Volta ao Brasil e o reencontro com o
nazista
Ao chegar novamente ao Brasil, buscou informações e soube,
finalmente, quem foi Mengele, Hitler e os atos que os amaldiçoaram. Foi um
choque. Ainda mais para um homem inocente da roça. Em Palmeira, ficou ao lado
da esposa e com ela teve dois filhos. Enquanto isso trabalhou para uma
madeireira, na qual foi motorista de caminhão.
Setembro de 1990. Gurski foi ordenado a levar o caminhão até
Bateias, próximo a Curitiba. Lá, pegaria calcário em uma empresa. Enquanto
aguardava o carregamento, um homem o chamou dizendo que uma ambulância estava
parada na rodovia. Em seu interior, seu pai. Ele estaria doente, à beira da
morte. Então, Gurski, apavorado, desceu a pé a estrada e viu a ambulância. Mas
para seu espanto, não encontrou o pai e sim, o mesmo velho alemão de quatro
anos antes. Segundo ele, o velho teria perguntado se o reconhecia. Sua
resposta: “Você é o palhaço do Paraguai”. Então, o suposto Mengele, bastante
doente, o convidou para seguir viagem ao seu lado. Gurski recusou. Disse que
sabia das atrocidades que ele havia cometido no passado. “Além de recusar ainda briguei com ele. Jamais
entraria naquele carro”, afirmou Gurski.
A conversa não passou de alguns minutos. Gurski diz lembrar
que a aparência daquele homem era muito doentia. “Ele estava no final da vida.
Dava pra ver. Muito velho. E pelo que reparei, estava fugindo da polícia”,
disse. “Tanto é que me mostrou um pouco de veneno que carregava com ele. Disse
que ninguém o pegaria”. Gurski deu as costas e subiu a pé até onde estava seu
caminhão. Notou então que a ambulância – segundo ele da prefeitura de uma cidade da região oeste do estado do Pr – não seguiu pela estrada de asfalto. Foi em direção a Balsa Nova, por um
caminho de terra.
Assim que o caminhão foi carregado, Gurski pegou a estrada
para voltar a Palmeira. Mas foi logo abordado por uma viatura da Polícia
Federal. Eles queriam saber onde estava o nazista. “Não sei como sabiam, mas
tinham meu nome e tinham a informação que o alemão havia passado por ali. Foi
então que revistaram o caminhão”, disse. Durante a revista os policiais perguntaram se
ele teria visto o suposto Mengele. E ele confirmou. Questionaram então do
porque não teria avisado a polícia. “Falei pra eles que se tivesse feito isso
iriam rir de mim. Quem iria acreditar numa história dessa”, argumentou. Gurski
ainda informou que o velho estava numa ambulância, e não muito longe dali. Os
policiais disseram que haviam interceptado a ambulância. Mas que não era
Mengele. “Eles não sabiam, mas era o nazista. Estava disfarçado”.
Dias depois, motivado pela curiosidade, o agricultor se
dirigiu até a estrada de Balsa Nova. Ali, soube que na comunidade conhecida
como Tamanduá, algumas pessoas teriam visto uma ambulância despejar algo no
cemitério local. “Um túmulo ali está sem identificação até hoje. Acredito que
Mengele esteja enterrado entre aqueles tijolos”, afirma.
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Túmulo onde Gurski supõe estar os ossos de Mengele |
Gurski sabe dos levantamentos realizados em Embu, São Paulo,
onde dizem ter encontrado os ossos do nazista na década de 90. Mas ele não
acredita nisso. Para ele, o “Anjo da Morte” – como ficou conhecido – está
enterrado no Paraná. Com medo da repercussão que a história terá, Gurski não quis
mostrar o rosto. Ele tem medo de possíveis retaliações. “Ainda existem nazistas
no Paraná. Familiares de Mengele moram aqui até hoje”, disse.
“Se eu não acreditasse em Deus, estaria morto. Mengele
atirou três vezes em mim naquele bar da Gleba 8. Só que a arma enroscou. E, na
ambulância, na estrada para Bateias, o filho dele me revistou para ver se eu
não carregava arma. Eu disse que não precisava disso. Mengele olhou para mim e
disse: ‘Deus cuida dele’”.